segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Bachiatari Sensei #8

Esta manhã substituí o cada vez mais hábito de ócio por um passeio matinal como há muito não fazia.
À saída do duche e com o devido cuidado aparei a meia dúzia de "irrequietos" que insistiam em retirar algum brio à barba farta que me brota do queixo e abandonando o look desmazelado a que me começava a apegar decidi pela primeira vez encafuar o velho esqueleto numa fatiota (com camisa e tudo) e usar um chapéu de aba bem ao estilo dos anos 60. Verdade, diga-se, é que nem desgostei de todo.
Precavido e nunca desleixando a sabedoria quase exprimental, troquei o autocarro - que àquela hora aparentava um misto de lata de sardinhas com compartimento selado e de dificil circulação de ar - pela aparência bem mais airosa (e certamente mais confortável!) de um desses comboios urbanos, quase mundanos tal é a variedade de nacionalidades neles presentes por vezes. Digamos que não me arrependi. Em parte.
"Quando a esmola é grande, o pobre desconfia", não é o que dizem? Pois, e têm razão! Logo de seguida senta-se um desses ganapos de tenra idade que têm por hábito guinchos estridentes e um disparo de palavras a tal velocidade que já não são para a minha cabeça. E ele pulava no assento, bocejava quase hiperbolicamente até se lhe antever o cardia estomacal, empinava rabo e pernas em danças demoníacas, sempre vigiado pela mãe impávida e serena sentada na cadeira ao lado a conferir a simplicidade... de um talão de compras e dos descontos que poderia ter na próxima cruzada ao mundo dos supermercados, claro está!
Fulminei com olhar esse macaco irritante que havia de me sujar o fato novo enquanto cerrava dentes e mente ao impulso que me impelia a atear fogo aos talões e ao próprio supermercado.
Agora que penso, estou parecido aos velhos que em jovem criticava: Intolerante e irritadiço, mas ainda não gágá. Bem, mas o fato era novo.

Com toda a estima,

Bachiatari Sensei

Informação

Há coisas que me chateiam caramba. Se as há...!
Um delas é nada mais nada menos que escrever um texto coerente e do qual desfruto enquanto o faço e acabar por constatar que ao submetê-lo à publicação ele é pura e simplesmente apagado por um erro informático qualquer de um sistema cibernético de porcaria!
Ora bolas, é que nem há Ninfas da blogosfera prontas a ser evocadas para ajudarem a resgatar o naufrago. Estou francamente à beira de um ataque de nervos, o que já de si é mau mas poderá ser ainda pior se considerarmos a idade de um velho como eu, que além de ao minimo motivo poderá sucumbir a um descontrolo intestinal de esfíncteres que já não são o que eram, mas acima de tudo tem dificuldades em controlar uma tendência quase exagerada para elaborar o palavrão, ou não se sentisse já integrado na cidade do Porto.
Francamente, isto não são maneiras!

Fulo da vida,

Bachiatari Sensei

domingo, 30 de agosto de 2009

Realidade percebida #6

Estou naqueles dias.
Curioso, dito assim. Se fosse uma fêmea, toda a gente compreendia. Sendo um homem, especialmente acabado, ou recebo um olhar de lado ou um falso julgamento de pessoa invadida por acessos de caganeira compulsivos e quase incontroláveis mediados por esfíncteres que teimam em deixar de responder à vergonha e ao embaraço públicos - como quem diz, flácidos ou incontractéis.
Evitando a confusão deturpadora dos pensamentos puros, ou pelo menos não maléficos, confesso que aqueles dias se referem ao tédio existencial de quem passa os dias sem ter que fazer (entenda-se o fazer como referente a toda a acção de lazer e divertimento que em tempos caóticos não hesitaria em querer materializar-se, qual oásis no deserto). Quase desejo o trabalho tasqueiro de servir imperiais escorridas e fritar bolinhos de bacalhau para ressequirem e perfumarem esse antro a semana toda. E olhem que pelo andar da carruagem, pouco falta.
Nem as amizades tapam este buraco, não fossem os Malditos andarem migrados pelos quatro cantos do mundo, certamente e se bem os conheço, imunes a esta sina de frustrados. Gente nova, é mesmo assim; ainda têm o sangue quente, paciência e meia dúzia de trocos no bolso para correrem mundo fora.
Bem, julgo que desta feita percebo melhor, não obstante, os mesmos rostos débeis e apáticos de outros velhos que passeiam de autocarro em autocarro, suprimindo este ciclo para "meia dúzia de canecos ou uma ida à praia ver umas moças", segundo relatam. Quem sabe, não acabe no marca passo diário de "café e meio bagaço depois das refeições e uma boa suecada tarde fora debaixo da ramada a falar da bola".
Às tantas este é mais um dos dogmas da vida.

Bachiatari Sensei

Gira-discos #6



Ultimamente parece que os dias correm neste compasso: lento e pesado, mas que avança impiedoso. Sente-se o cheiro do esforço tomar corpo no ar, prenúncio de que voltamos à carga.
As novas batalhas prometem ser ainda mais duras - e agora que penso, tens toda a razão ò Espinoza: o que será de nós este ano, face ao desespero do anterior?
Talvez isto mesmo seja a solução. Sopas de cavalo cansado.

Com incentivo a aproveitarem o que vos resta,

Bachiatari Sensei

À semelhança de Pitt, caro Espinoza, dirijo-te uma breve e mesma nota acerca da inclusão de um texto num tópico por ti criado. Resta-me dizer aos restantes que "Dead Combo" vale mesmo a pena e estiveram mesmo muito bem no Porto Ritual 2009'.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Leituras & Remédios #3



Deus transcende, simplesmente existe ou é produto da razão humana?


Eis uma questão que Saramago sente necessidade de clarificar:

"O ser humano inventou Deus e depois escravizou-se a Ele"



"O novo romance de José Saramago chama-se "Caim" e tem como personagens principais aquela figura bíblica, Deus e a Humanidade "nas suas diferentes expressões". "

Pena só chegar a Portugal em finais de Outubro...


Pitt


(desculpa-me, Espinoza, por ter feito uso do teu tópico)

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Realidade percebida #5


"- Mãe?

- Sim, filha...

- Porque é que ele está sempre parado a fazer aquilo?

- Está a pensar em coisas dele, filhota!

- A fazer aquilo?

- É a maneira dele, amor.

- Ele nunca brinca, como eu...

- Ele prefere brincar sozinho, só isso... Vá, lava as mãos e vamos lanchar!

- Hum, está bem...! Quero leite com chocol (...)"



O resto deduzem.



"Ele" - Pronome pessoal, palavra indefinida e baça, susceptível a ser personalizada por um qualquer, o qual poderá estar a ser identificado por um dedo apontado a si.

Nada que nos tire o sono.

O que nos "perturba" é o que ele está de facto a fazer. Desconhecemos a sua vida, o tipo de pessoa que é, a necessidade de apoio que necessita ou o grau de socialização da sua pessoa. "Ele". Tão simples quanto isso, apreender a sua acção com um olhar observador e inquisidor, franzir o sobrolho face ao sucedido, ponderar rapidamente, achar uma explicação lógica para o sucedido, ter pena do dito cujo e da familia - se a tiver -, sentir o pesar da consciência por um momento e a vontade de sermos bons, encolher os ombros no momento seguinte e prosseguir a nossa vida convictos de que no fundo somos sortudos e podemos aproveitar a vida mais sensíveis que nunca para com os outros e certamente mais abertos à caridade. Mas não dura mais de 3 dias. 3 míseros dias depois de vermos a reportagem, lermos o artigo, presenciarmos ao vivo, o que quer que seja, já lá vai. Acaba o período de Catarse e voltamos à velha rotina facilitista dos nossos dias.

"Ele" não. De facto, nem nota a maior parte das vezes; e se o faz trata de categoricamente transparecer um desinteresse tal que é como se não tivesse em verdade notado. Pouco se importa com olhares repreendedores dos que o não compreendem ou penosos dos que o sabem. Em nada se interessa pelo frio da sua própria baba escorrida ou pelos hematomas que a si causa. Classificado como doente pela sociedade, chumba leis que desconhece e implementa os limites do seu próprio mundo. "Ele" é assim mesmo. Inacessível, talvez, mas há quem diga, feliz.

Caminha diaramente pelos olhares contemporâneos, que assume fantasmagóricos ou sombrios por conseguir ver através deles, de quem o rotule de oligofrénico, de coitado, de vesado. No seu campo de visão contempla, pelo contrário... Hum... Sabe-se lá o quê!

Quimeras gregas que interpelam o pato Donald numa colina erguida acima do vale enublado de onde pormete erguer-se "O Desejado" cavalgando um dinossauro que tenha 3 cabeças, jurando paz aos Infiéis; Todas as estações, apeadeiros, quilómetros de percurso, sinais, matrículas de carros, de motos, marcas, modelos ou componentes mecânicos. Raciocínios matemáticos tão complicados que desafiem e lógica humana e derrubem a teoria de Einstein ou expliquem passo a passo a formação do Sistema Solar como nunca antes ninguém o fez.

Como sabê-lo, no entanto? Não há maneira certa de lhes retirar o que quer que seja. Mundo deturpado, uma ditadura implementada e controlada por ditadores da sua própria palavra e do grau de abertura aos que se dizem "normais". Mas "Eles" não o são, não. Não se interessam por o ser, também. De facto, e reconcluindo, não se interessam por nada. Sofredoras, amarguradas familias que já não esperam o reconhecimento ou a amostra do carinho espontâneo de um filho pródigo que nunca há-de regressar a casa, pelo menos neste mundo que materializamos à nossa imagem.

Havia quem falasse de um Quinto Império, havia quem pusesse um D. Sebastião a cavalagar numa outra direcção - brindo à saúde do poeta -, mas como iluminar a estrada dos que a não vêm?

Havia quem conquistasse, em tempos, Terras Prometidas e desafiasse exércitos para expandir fronteiras, mas como nos aliarmos a "Eles" para a luta contra um inimigo invisivel?



A derradeira questão: " - Nós compreendemo-los, mamã?", " - Ninguém os compreende, querida!"



Façam o favor de nunca baixar os braços.



Identificar quem são, no geral, os "eles" é já, por si só, um bom indício de que em parte nos tornamos próximos de os compreender.



Bachiatari Sensei

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Imunologia popular

Conselhos sábios e de uma preciosa utilidade da autoria de Diamantino Aleixo, deixados numa bobine para o seu neto Bruno. Neste versando sobre Biologia e Medicina, no que concerne à imunidade adquirida pela pequenada. Para mais conselhos em outras áreas do pensamento e do quotidiano - entre eles um que ensina, a quem assim o desejar, a observar de forma segura e sem alarido o decote das mulheres - basta clicar aqui.




Hermenegildo Espinoza

domingo, 23 de agosto de 2009

Bachiatari Sensei #7

"Querida, mudei a casa!". Sucinto e directo.
Dando trabalho a toda esta panóplia muscular, que apesar de um pouco enferrujada pelo ócio e teimosa pelo atrito adiposo ainda tem alguma tonicidade, erguem-se os rabos dos sofás, agarram-se os panos de felpo e mãos à obra.
Remexendo em prateleiras quase infinitas entre móveis e incontáveis maços de papéis encarcerados e aleatoriamente amontoados em gavetas, levantam-se nuvens de pó quase comparáveis a tempestades de areia, altera-se o Feng Shui, para melhor ou pior, de humilde tugúrio que nos alberga e fazem-se achados maravilhosos, quase dignos de coleccionador.
É verdade. Parece que os headquarters maçónicos desta irmandade amaldiçoada sofreu uma mudança de ares. Entre livros chamuscados do Pataca, amontoados de recortes de jornais com as mais estranhissímas noticias e pêlos dos gatos do Espinoza, inventários de inidentificáveis ingredientes do Ubirajara, cuecas e soutiens que só podem vir do Cluni, voltímetros e desenhos da mais complexa física de partículas e caixas de lâminas de bisturis vazias assinadas a preto - Pitt -, lá estava ela... A reliquía, a preciosidade das preciosidades! Uma imaculada mala de couro castanho para primeiros socorros, recheada dos mais diversos tipos de unguentos, pensos, liquidos de desinfecção, fármacos, seringas, ligas, e tanto outro material útil, repito, útil, repito, útil!
Porquê o meu contentamento? Ora essa, porque fora com essa mesma mala que principiara a minha acção salvadora! Nem mais. Ainda que, confesso, outrora mais tenha parecido um boticário ou um talho, dependendo dos tempos que condicionam, claro está, o seu recheio, é uma peça essencial no salvamento urgente. E quantas vezes, caros aspirantes a Malditos, quantas vezes terei selado um cavalo à pressa e partido com esse couro aos ombros por um grito do outro lado da colina. Contornando o passado e desaguando no presente vos digo: Tenham uma sempre à mão! Claro está, mais importante que a ter, é como a saber usar, mas nem por isso descurem a utilidade desta colectânea de objectos.
Voltando às arrumações, termino dizendo-vos o quão impressionado e orgulhoso estou: Maximizamos o espaço do clube! Bastou desfazermo-nos da gigantesca estante que o Espinoza lá tinha metido e acomodar os seus livros juntos aos do Pataca e enrolar os metros, quase kilómetros, de cabos eléctricos, fios de cobre, mangueiras de diferentes tamanhos e cordas lá do senhor Pitt.

Bachiatari Sensei

A óbvia satisfação do nosso caro Adegesto Pataca, valeu-nos um arroz de pato fenomenal

sábado, 22 de agosto de 2009

...

Estive para vir aqui falar da derrocada que matou cinco pessoas numa praia do Algarve - conhecido pelo seu exímio ordenamento do território. Uma derrocada que vitimou uma família inteira (quatro das cinco pessoas falecidas eram do Porto: pai, mãe e duas filhas).
Estive para vir aqui falar da derrota do Sporting, há momentos, com o Braga, onde nem o xuxu da Luciana Abreu salvou os lagartos da derrota. Mal sabe o garoto do Djaló que ao chegar a casa lá terá de a aturar: "ó mor, estão tãooo confusa!". Rezemos, então, pelo bem do rapaz e de todas as outras criancinhas.
Estive para vir aqui falar do meu país, onde uma rapariga vítima de violação tem de esperar 12 horas para ser vista por um perito de medicina legal, num dos maiores e melhores hospitais do país que ainda está na ressaca de várias cegueiras por explicar. Num país onde um normal médico de serviço, na impossibilidade do aparecimento do perito, poderia ter feito a recolha das amostras, mesmo sem a melhor qualidade, sempre poderia poupar o desgaste psicológico de um esticar de horas de humilhação, desamparo e trauma.
Estive para vir aqui dizer que abundam os dias de desilusão com o meu país. Este cantinho tão grande na História do Mundo como o conhecemos. Continuamos, julgo, no estatuto de país empreendedor e solidário, contudo, a identidade foi-se esmorecendo. Somos agora uma imagem baça da nitidez que éramos. Essencial é incutir nas crianças-que-aí-vêm que o puxão de orelhas da História permanece, hoje, o melhor aviso para erguer a nação.
Estive para vir aqui falar mal do meu país, pedir que rezássemos pelo Djaló e destilar todos os meus actuais ódios. Estive para vir aqui fazer tanta coisa. Acabei por não fazer nada. Talvez eu mesmo seja também um retrato do meu (nosso) país.



"O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem Portugueses, só vos faltam as qualidades."

Almada Negreiros, no Ultimatum Futurista.



Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 18 de agosto de 2009

9,58

Para quem se interessa por biomecânica, por desporto, ou prefere simplesmente comer tremoços e emborcar umas três ou quatro minis enquanto passa os olhos pela tv, isto é de bradar aos céus. De bradar aos céus, meus amigos.



Hermenegildo Espinoza

sábado, 15 de agosto de 2009

Realidade percebida #4

A inércia. O movimento do corpo subordinado a uma corrente invisível que arrasta o difuso e imaterial, sem no entanto movimentar uma massa carnal, hoje temperada por um calor de Verão amigo de bebidas frescas e ventoinhas. O conforto da poltrona substituido pelo frio azulejo do chão, bem mais sedutor. Sabe bem! Não importa a quantidade de pó, não importa quem o pisa nem com quem o partilhamos.
Depressa, absortos em ideias vagas ou simples alucinações de deserto, irrompe a poesia musical, espontânea, sem métrica nem tamanhos definidos e de rima tão livre quanto o condor.
É tarde, é noite, é o tempo que passa sem darmos por ele. Só agora me aperecebo disso, pensando bem. E o que é escrever? É divagar? Imitar? Recortar palavras caras ou bonitas e encaixá-las logicamente? É tudo, respondo. No entanto, um tudo que pode dar em nada, quando sem inspiração. Esta, por sua vez, materializando-se de um lugar inacessível à vontade, é um motor, alimentado a energia renovável ou não renovável, deixo-o ao critério de cada um - afinal somos todos diferentes -, que tem a força motriz necessária para reunir um exército,se contarmos em Kilojoules; há quem lhe chame o suco dos pensadores.
Mas não é preciso saber escrever para a expressão existir. Saber interpretar, sim. Mas não saber escrever.
Filosofia barata desbravada e posta a nú em praça pública. Coragem para aqueles que estejam desmotivados; tentativa fútil de ser inteligente, quando avaliada por Iluminados.
Um segredo: houve o tempo em que quis saber escrever. saber ser poeta, saber escrever sobre criaturas míticas e aventuras libertinas, saber ser técnico, denotando o conhecimento.
Errado. Digo-o hoje, depois de escritos textos que cumpriam esses objectivos mas não tinham a consistência necessária, a essência verdadeira de quem escreve e deposita fé nisso que faz. Tarde percebi que a escrita não obedece ao expressionismo ou à vontade. Não. A escrita flui, podendo levar ao expressionismo. De facto, a bem mais que isso.
A inspiração comanda e as ideias transmitem a essência, por sua vez montada pela veia literária, se assim lhe quisermos chamar, cuja acção é observada por uma lógica algo irracional, mas que faz crescer um fogo no peito - o sinal de que tudo vai bem. A partir daí, a escrita poderá ser ilusória, expressiva ou até abstracta. Não há espelho sob o qual vejamos o reflexo onde podemos ler em qual destes nos enquadramos; há, não obstante, um brio trazido por várias leituras, que o poderá confirmar.
Não confio nas Ninfas, essas carcaças pútridas comedoras de homens, prostitutas na sua beldade oferecida, que usam sem pudor para sugar a atenção de homens e, nos tempos que correm, mulheres também. Preferível aguardar um dia, uma semana, um ano para escrever algo de jeito. De jeito, leia-se que dê o coice na foice do cérebro acelerando de tal modo a quantidade de ideias que fluem que se torna quase impossível anotá-las a todas e organizá-las num texto coerente, aos meus olhos claro está. Dias haverão em que um simples bule de chá pareça o melhor tema do mundo, outros em que se escrevam sobre maravilhas e fenómenos. Whatever. Picasso também pintava riscos e pagavam bem por eles. Nunca o percebi, mas também não sei apreciar arte.

Sugiro bolos de gengibre para passar a noite. Fáceis de digerir e com poucas calorias. Já o dizia uma alma que não habita entre nós: "Façam o favor de serem felizes!"

Bachiatari Sensei

Relaxo na companhia do teu bom gosto musical, Espinoza. Calorosas saudações a todos vós também, restantes Malditos.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Realidade percebida #3

Porto

O ar abafado,
de ruas, escadas, vielas, calçadas, até praças, resistentes descalças,
todas sussurram, apagadas,
o silêncio de um luar citadino,
tão velho, adulto e menino.

Noite calma, noite autista, só,
nas letras que compõe e só para si tira e põe,
que embraça e percute com longas dedadas
cordas sujas de velhas guitarras.
Música insonora, mas que a alma embala, o aqui e o agora.

Assim conta as suas histórias,
escreve as páginas de grandes vitórias, de grandes glórias,
feitos, que embora em fama pouco tenham,
vénias, muitas as contam;
ao sangue, ao grito, ao patriotismo interdito,
à coragem e à ambição dos loucos de coração, roucos de palavras moucas
que por si, pelos seus, pelo seu país, se entregaram,
deram a vida, beijaram e partiram com a morte
ecoando no Céu e no Inferno, escutada por Deus e pelo Demónio,
essa pronúncia do Norte.

Rebeldes de espiríto,
audazes de boca,
andrajosos visionários,
inconsequentes,
irrepreensíveis pela acção cavaleira.
Criaram um titulo, remando contra a maré,
fertilizaram o seu povo e os estrangeiros, ergueram-se de pé
e consigo, pedra por pedra, edificaram uma invicta Ribeira.

Velejando em barcos rabelos pelo Douro,
vigiam à séculos a noite, atentos,
de um túmulo fumegante e ainda de espada na mão,
entregues ao esquecimento por modéstia,
fechando os olhos, cerrando os dentes, qual morto,
sendo queimado pelo fervor de seu sangue poeirento,
e no entanto mais acordados que nunca, pela sua cidade,
o Porto.

Hoje, pela memória de velhas revoluções,
ergamos os copos, bebamos e gritemos à sua saúde,
deles, que por ela caminharam sobre brasas trespassados,
que a cavalgaram sob o manto da noite e as cores de um só brasão,
que a embruteceram de valores, ideais e sonhos tais
que a elevaram ao Olimpo,
que a espalharam pelas bocas do planisfério
e muito, muito mais.

Exército de indeléveis,
resistente ao tempo, imune ao esquecimento,
dorido pelo custo desse momento:
conquista eterna e simultaneamente efémera.

Erguida sob colinas habituadas à vitória e ao orgulho,
dona de um povo indomado,
reflexo contemporâneo espelhado,
talvez, quem sabe, de uma essência tão antiga como a Terra.
Cuida dos seus - dos nossos e dos que dela querem fazer parte,
sem precisar de recorrer ao "Engenho" ou à "Arte"

Bachiatari Sensei

sábado, 8 de agosto de 2009

Leituras & Remédios #2


"O médico disse: isto e mais aquilo indica que deve ser isto e aquilo; mas, se não se confirmar pela análise disto e daquilo, então é de supor que tenha isto e aquilo. Mas se supusermos isto e aquilo, nesse caso...e assim por diante. Para Ivan Ilitch só uma questão era importante: a sua situação era perigosa ou não? O médico ignorou essa pergunta inadequada. Do ponto de vista do médico, a pergunta era ociosa e não merecia discussão; havia apenas que ponderar as probabilidades - um rim solto, catarro crónico ou apendicite. Não estava em questão a vida de Ivan Ilitch, mas uma discussão entre rim solto e apendicite. E essa discussão resolveu-a o médico de um modo brilhante aos olhos de Ivan Ilitch em favor da apendicite, sob a reserva de que uma análise à urina podia dar novas indicações e que nesse caso o assunto seria reconsiderado. (...) Pelo resumo do médico Ivan Ilitch concluiu que estava muito mal, mas que para o médico, e talvez para todos, isso era indiferente, mas para ele era mau. "

páginas 49 (3º parágrafo) e 50.


"Durante aqueles três dias, em que o tempo não existia para ele, debateu-se naquele saco negro para o qual o empurrava uma força invisível, irresistível. Debateu-se como se debate um condenado à morte nas mãos do carrasco, sabendo que não se pode salvar; e em cada momento sentia que apesar de todos os esforços de luta estava cada vez mais perto daquilo que o horrorizava. Sentia que o seu sofrimento era também por estar a ser enfiado naquele buraco negro e ainda mais pelo facto de não conseguir entrar nele. Era impedido de entrar pela consciência de que a sua vida tinha sido boa. Era essa justificação da sua vida que o prendia e o impedia de avançar e que o atormentava mais do que tudo."

páginas 109 e 110


Lev Tolstoi,
A Morte de Ivan Ilitch, 1ª edição Booket (livros de bolso, com prefácio de António Lobo Antunes)



(a leitura como um dos melhores remédios, e deste recomenda-se uma leitura pela vida fora, até nos tornarmos pó na bruma e na escuridão. Até.)



Hermenegildo Espinoza

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A Essência da Medicina...


Meus Caros Malditos,


Gozava eu estas minhas férias numa futilidade não típica daquilo que é ser estudante de Medicina, até que por um momento de lucidez pensei na essência do meu ser, no meu papel perante este mundo cada vez mais desvalorizado na minha humilde opinião. Esse mesmo momento de lucidez despertou-me para a necessidade de compreender afinal o que é que eu ando a fazer, ou melhor, aquilo que vou fazer, ou seja, afinal o que é ser médico? Cada vez mais a Medicina é compreendida pela sociedade como uma profissão de prestígio, em que para entrar é necessário ser um vencedor, capaz de resistir a uma multi-selectividade, que avalia sobretudo a capacidade do nosso cérebro, e também a nossa resistência a uma situação de stress, tal como dizia numa aula de Sociologia Médica, a Professora Constança Paúl, que eu muito aprecio as suas capacidades de dialogar e o seu excelente método de avaliação. Mas pronto, deixemos isso para uma outra discussão que neste momento não se enquadra nesta questão.
Ser médico não é ter uma mera profissão, mas sobretudo uma missão, uma missão de serviço em prol do outro, ou mais concretamente, em prol da Humanidade. No entanto para que essa missão possa ser plenamente realizada é necessário que cada um de nós seja capaz de se despojar de certos banalidades que a vida actual nos propõe. É viver na radicalidade de se dar por completo ao serviço do outro. Até diria mais, olhar a nossa profissão como uma oportunidade de partilha de amor, vivendo com a ideia de que não existem doenças, mas sim doentes, cada um com a sua dignidade humana, inquebrável e vivendo cada doente na sua liberdade. Penso que todo o médico que não for capaz de satisfazer estes “pré requisitos”, chamemos-lhes assim, não sabe realmente o que é ser médico, e viverá toda a sua vida numa angústia, sentindo que seguiu um plano de vida que não o satisfaz verdadeiramente.
Era sobretudo isto que vos queria fazer reflectir, para um dia chegarmos ao final deste nosso curso, e estarmos preparados para enfrentar um mundo cada vez mais desanimador, mas sermos capazes de buscar a nossa coragem na necessidade de partilha de amor, de nos colocarmos, como dizia, ao serviço pelo outro.
Este nosso blogue, que é a nossa fuga para a libertação de pensamento, tem como objectivo isto, permitir-nos discutir a essência da Medicina, que além de uma verdadeira arte, é sobretudo a capacidade de servir os outros.

Um bem haja a Vós Todos, Malditos!
Continuação de umas excelentes férias!

Um grande abraço maldito,

Ubirajara Piatã ©

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Tailândia


...ÚLTIMA HORA!!!




Espero noticias do nosso "repórter" em campo, Bachiatari Sensei, dada a sua proximidade à zona.


(de momento não sei em que instância páras, mestre. Dá noticias...)


A maior duvida é, preto no branco:


Ia nesse voo o idolatrado Ann É?



Cumprimentos


Pitt

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

"Caso amígdalas"

Caros malditos

(salto a parte em que peço desculpas pela minha ausência, para que a massada seja eliminada “até ao tutano”)

Adiante.
Estes dias as minhas amígdalas deram de si (ou melhor, quase). Na verdade, não sei se por mera coincidência, tudo isto se sucedeu depois da minha tentativa de enriquecer o meu cadastro linguístico, no domínio do castelhano. No final de contas, ser poliglota é deveras um epíteto de virtude (apesar de não ser a línguagem do raciocínio, como disse o nosso amigo Espinoza). Até se consegue caçar piada nas entranhas de um discurso bilingue. Enfim… retomando o “caso amígdalas”. Dado o meu estado, fui ao médico, como qualquer pessoa normal quando está doente faz.
“-Sr. Pitt, o que é que o traz por cá?
- Acho que tenho a garganta inflamada, sr. doutor.
- Em primeiro lugar, sr. Pitt, um doente nunca diz que tem a garganta inflamada. Quem o diz é o médico. O que o doente tem de dizer é os seus sintomas: tenho sentido a garganta mais seca do que o costume, ultimamente; dói-me há já alguns dias…”

Mais conversa, menos conversa, exame clínico por um lado, momentos silenciosos noutros tantos, e o médico deixa escapar por entre o seu bucinador algumas dezenas de decibéis que nenhuma novidade traziam.

“-Você tem uma amigdalite. E mais na amígdala direita, não é?”

Foi preciso todo um discurso de elite, acrescido da etiqueta arrogante de médico, para me ser diagnosticada a amigdalite. Apesar dessa atitude pouco profissional, uma lição devo reter. É que a páginas tantas, aprendi a ser doente. O médico esse, se tirar as gemelas (subentenda-se remelas) dos olhos, pode ser que veja mais longe…
Pitt

Gira-discos #5

The Killers - Read My Mind (live)

Por muito que sejamos poliglotas, a linguagem do raciocínio é só uma: a associação lógica ou ilógica de pensamentos. "Quando pensas, fá-lo em que língua?" é, portanto, uma interrogação inútil, sem cabimento. Antes deveríamos perguntar:
- Em que língua extravasas os teus raciocínios ou como vocalizas a associação dos pensamentos que te assolam?
Porque o que fazemos ao pensar é convocar as imagens, os sons, os cheiros, as memórias, o abstracto e a metafísica, qualquer coisa que não o vácuo. Não falamos para os nossos próprios pensamentos, não pensamos que estamos a pensar, somos o pensamento e ele somos nós. Tudo é passível de ser associado (i)logicamente. Daí a nossa cumplicidade enquanto seres. Temos a habilidade, se assim o quisermos, de deduzir os pensamentos dos outros, de nos tornarmos, por associação, uno. As pessoas que nos são chegadas incorporam, no seu essencial, aqueles que tocam o âmago da nossa realidade. Não há cumplicidade mais extrema (amor, leia-se) do que esta: sentir que nos lêem, de acordo com a nossa vontade, os pensamentos.



I don't mind, if you don't mind
'Cause I don't shine, if you don't shine

The stars are blazing like rebel diamonds cut out of the sun.
Can you read my mind?



Hermenegildo Espinoza