quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #15

15. a pequena íris de Tyndall.


É um céu azul quase de pinturas,
preces ao além de beleza,
dirão, aqueles meus amigos,
com uma possibilidade de certeza:
tem a atmosfera mais cores
que as cores por nós imaginadas.

Se a tonalidade desse olho
é a reflexão do que lá deveria estar,
o que olhamos não é o olho,
é antes uma cor que não quis ficar.

E na barafunda da discussão,
diz o míope para o presbíope calado
(eles que não se vêem,
mas entendem-se):
- vai ali a íris de Tyndall.




Hermenegildo Espinoza

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Leituras & Remédios #12

«(…) Se me dissessem que escrevia ficção sentia-me insultado: ficção que tolice, é o mundo inteiro que a gente mete entre as capas de um livro. Vende menos? Decerto, mas há-de vender sempre. Se tivermos lado a lado, à nossa frente, Camões e o jornal, a tendência imediata é pegar no jornal, mas o jornal desaparece amanhã e Camões fica. Chamo jornalismo, explicava Gide, ao que é menos interessante amanhã do que hoje. E depois a Arte não é um desporto de competição: o editor que ponha numa cinta, por exemplo, cem mil exemplares vendidos, ou julga falar de sabonetes ou não é um editor. Se o livro for bom há-de vender muito mais do que isso: quanto terá vendido Ovídio até hoje? É apenas uma questão de tempo, porque os bons leitores existirão sempre, ainda que poucos. O que me aborrece na Arte são os comerciantes que giram em volta dela, sem lhe tocar, porque tiram o seu alimento do efémero. Faz pouco comecei uma biblioteca na empresa onde estou. Tolstoi foi o primeiro: ao receber o livro impresso reparei que as últimas três páginas eram propaganda a lixo. Como se pode, no fim de um livro de Tolstoi, fazer aquilo? Desonestidade? Ignorância? Não faço ideia de quem é o responsável mas devia ter sido fuzilado no berço: Tolstoi de mistura com livros de cozinha e ficções. Recomecei a colecção: até agora não repetiram a indignidade. Pergunta:
– Como vão os livros da biblioteca?
Resposta:
– Pingam
e ainda bem que pingam. Se vendessem às grosas é que eu ficava alarmado. Os bons livros são para pingar eternidade fora: o Mondego começa gota a gota; a água suja basta virar o balde e encharca-nos. A água do balde acaba logo. O Mondego não tem princípio nem fim. (…)»


António Lobo Antunes, na sua crónica do último número da revista Visão.


(a leitura como um dos melhores remédios:
abrir a ferida para nos mostrar como utilizar a cura,
gota a gota a pingar pela eternidade fora)




Hermenegildo Espinoza

sábado, 21 de agosto de 2010

Gira-discos #24

Florence + The Machine - Dog Days Are Over

Estão acabados, sim. Encostados de pé à parede com o joelho flectido, há uma mímica de percussão, de quem vê uma ruiva (Florence Welch, Florence Welch, Florence Welch) a gesticular canções entoadas ao ouvido. A máquina essa, que a acompanha, dá-lhe o sumo necessário aos nossos meatos acústicos externos. Mas é a ruiva de olhar inebriado que nos permite alienar disto tudo, algo vago que nem o calor intenso de pré-ebulição consegue deslindar. E a ruiva, aquela ruiva, reiterando «the dog days are over, the dog days are over». Batemos palmas. Por uns minutos, estamos acabados, sim.



Hermenegildo Espinoza

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

sábado, 14 de agosto de 2010

Gira-discos #23

Scissor Sisters - Fire with Fire

Em relação a esta irmandade das tesouras, tomando em linha de conta a bagagem de dois álbuns por muitos colocados no contexto do glam rock e do pop, já ouvi de tudo: desde alarves a apontar o timbre larilas do vocalista masculino, o conteúdo fútil das letras, os visuais pindéricos, um pop frouxo até às melodias citadinas das grandes metrópoles, aos acordes dificilmente esquecidos nas pistas de dança de muitas discotecas e de outros tantos palcos de karaoke. Tudo, ouvi e li tudo que possa existir. Eu mesmo enveredei por tentativas, todas elas frustradas, de acompanhar com as minhas próprias cordas vocais a I Don't Feel Like Dancin' . Mas, porra, ao terceiro álbum, estes sujeitos criaram uma monumental música pop, digam o que disserem. Atrevam-se.




Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #14

14. os gelados de baunilha e as cores da melanina.


Tão geladas as amígdalas pelo sabor da baunilha,
mar de banhos e de luz em camadas córneas
(a pele é muita, muitas vezes, somos tantos, tantas vezes)
Eu quis explicar-lhes a cor da melanina,
as tonalidades do espectro que o corpo é,
mas de nada sobrou da ideia de querer alargar
o leque das férias avesso à intelectualidade do ser.

São Pedro de Moel foi o nome de uma delas,
temos areia empacotada para o confirmar,
como esquecer esse tempo, cálice de quimeras,
à beira-mar com o mundo cálido a hesitar?

Eu escrevia tanta palavra, imaginava-me na medicina,
fui-me curando nesses retiros do calor pelo país rectangular.
Morenos voltávamos à condição, hoje regresso à bata branca,
e voltamos ao rigor do ano para a formação do que se é
com esse Agosto na ideia, esses mergulhos sem consciência.





Hermenegildo Espinoza

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Publicidade Institucional

(clicar na imagem para ver melhor)



Sorte daqueles que vêm.




Hermenegildo Espinoza

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Como andam os discos a girar II


Saiu hoje o novo álbum dos Arcade Fire, The Suburbs. Convém avisar que, após uma única audição completa, estou novamente indeciso. Vamos ver e ouvir, ver e ouvir.



Hermenegildo Espinoza