terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

bacoco (2) rococó (3)

Este rococó é também um exagero da realidade, uma realidade hiperbolicamente adornada, que não pode ser mais do que aquilo que é, e que, por isso, usa maquilhagem. É assim a ficção bacoco-rococó: embora abuse da maquilhagem, não utiliza qualquer tipo de barrete, e nisso ela é sincera. Não podemos, contudo, evitar felizes coincidências - estão por todo o lado - e quem lê a ficção e encontra nela uma verdade, talvez seja porque tem frio nas orelhas. Se esta ficção se presta a estas coincidências, nem é o seu mérito que devemos discutir, mas é a verdade que nela assoma aos olhos. Podemos julgar que a realidade está aí, como sempre tem estado, quer a consideremos contingente ou necessária. Porém, a verdade que nela há, por mais fraccionada que seja, principalmente quando surge sinergicamente a reboque da ficção, talvez seja a mais exacta. A verdade transforma-se, para melhor ou para pior; já a teimosia é mais difícil.
E não haverá espaço a patogénios num lugar tão dado à assepsia, não porque o lugar é limpo, mas devido à negação desses patogénios em entrar, por mais que o lugar conspurcado os convide. Afinal, ainda existem patogénios honrados, com respeito pelos enfermos.
Pensando bem, se vejo neste lugar a realidade de sempre, já a verdade que a habita está estiolada. Tenho as orelhas frias e a maquilhagem num desadequado arranjo: a barba farta, a bata vincada, a angina mais frequente. Esta mão que começa a tremer, a mão agora sem essência, é a mão que começa a fechar.




segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Na natureza nada se perde, tudo se transforma?

É certo que a evolução é parte da natureza das coisas. Hoje pequena, amanhã grande. Hoje verde, amanhã caduca. Mas a constância, excepto nas mulheres [1], também o é. Para se ser folha tem de se cumprir um mínimo de requisitos, como sejam ter clorofila, produzir oxigénio e por aí em diante. É esta a nossa essência enquanto folha.

O rococó, tal como a folha, tem a sua clorofila. Pauta-se pela simplicidade. Em matéria arquitectónica faz-se ouvir por janelas alongadas e arqueadas tectalmente. Porém, na sua essência, é dominado pela forma circular. Será rococónico o edifício cujas mais ou menos tantas janelas perdem o arqueado para dar lugar à forma rectangular? Ou aquele que tenha um ângulo recto, ainda que único, nas paredes do seu bloco central, quando manda a regra que sejam circulares?

É isto que o distingue e o caracteriza. Naturalmente, é óbvio que, quando o que interessa é iluminar mais, qualquer um pode moldar a janela à luz do seu interesse. Tirar-lhe o arqueado, por exemplo. Agora, desbaptizem-na! Não a chamem, jamais, de janela rococó.

O clube, tal como o rococó e a folha, têm a sua essência. Não vende produto e, muito menos, se vende por mais valias que o façam vender mais. Não se mede pela qualidade de publicações, pela assiduidade nas mesmas ou pela sua quantidade. O clube é, na sua essência (repito), ter um Jorge Cluni que fez no máximo duas publicações em toda a história da sua existência, é ter um Bachiatari com a sua linguagem bélica e sabedoria oriental, é ter um Ubirajara desencontrado, é ter um Adegesto , Pataca de nome, que vale mais do que dinheiro, e ter um Hermenegildo assíduo, na constante presença dos seus gatos, que nem com mão magoada abdica da partilha de uma sua qualidade: a escrita. Somos nós, os malditos.

O clube é os malditos! No que respeita ao seu carácter, tudo o que não é maldito é medicomalditococo, é patogénico. Se passa a ter janelas sem arqueamento, deixa de ser o que era. Perde aquilo que o caracterizava.

Pode ser equívoco meu, mas parece-me tudo menos ser bacoco, prezar pela qualidade última desta casa. No final de contas, este é o nosso rococó e a janela quer-se como dita a regra.


R: Na natureza, algumas coisas se perdem quando se transforma.

[1] “Inconstância, o teu nome é mulher.” Hamlet

bacoco (2) rococó (2)

Eu normalmente não me queixo. Sou calado e subtil, mas não submisso. Se os propósitos que me movem, ou melhor, os propósitos que habitam o meu espaço da realidade, são tão facilmente dilacerados, repudiados, desrespeitados por um qualquer apelo de coesão de grupo que não existe, por uma falsa ameaça de diluição de força, quando para tal há responsabilidades não levadas a peito por quem de direito, não posso ser eu o incorrecto ou o desadequado. Mandar um amigo à merda pode ser tão indispensável como elogiar-lhe uma acção benemérita, para o bem utilitarista do grupo. Só é bacoco quem quer, e se o dou a entender, é porque posso - quase sub-repticiamente, admito-o - tomar essa posição como hábito de defesa, e, se necessário, também de ataque. Uma coisa que a sinonímia nos ensina, é que não podemos passar a a vida a aturar bardamerdas, bandalhos, badamecos ou pulhas. E assim sucessivamente.




domingo, 12 de fevereiro de 2012

sábado, 11 de fevereiro de 2012

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Possível topografia dos lugares interiores #52

52. o que parece defeito.


A simetria tem dons de injustiça
agora que este corpo desconhece o vigor
e só as rugas resguardam o seu orgulho
de um tempo envergonhado e incompreendido.

O que parece ao longe um defeito anatómico
é a passagem esguia das horas e da glória
e só um dia não basta para colmatar
a falta que a juventude faz nas engrenagens.

Mas não rezam os ossos qualquer lamento
tão placidamente se diminuem em envergadura
e por isso só pode haver alguma qualidade nos defeitos
que em nada diminuem o pouco que o corpo sabe de si.






Hermenegildo Espinoza

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Tragicomédia




Não haja medo em admiti-lo: a tragicomédia não poupa nem o sagrado.




Hermenegildo Espinoza

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O plasma

A ser verdade, há muito azar em Portugal que, admitamo-lo, é merecido. Curioso que, não raras vezes, é um azar endógeno. Este mesmo Portugal, este Portugal dos detalhes teimosamente esquecidos, é o pior saco de pancada dos portugueses.




Hermenegildo Espinoza

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Gira-discos #41



Fernando Lopes-Graça - Acordai

Acordai
acordai

homens que dormis

a embalar a dor

dos silêncios vis

vinde no clamor

das almas viris

arrancar a flor

que dorme na raíz



Acordai

acordai

raios e tufões

que dormis no ar

e nas multidões

vinde incendiar

de astros e canções

as pedras do mar

o mundo e os corações



Acordai

acendei

de almas e de sóis

este mar sem cais

nem luz de faróis

e acordai depois

das lutas finais

os nossos heróis

que dormem nos covais

Acordai!



letra de José Gomes Ferreira





Hermenegildo Espinoza

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Frenesim

Nestas alturas em que o cansaço impera e as dioptrias disparam, dou comigo a pensar no «frenesim» que a vida por vezes assume. Só não sabia, nem nunca pensei, que este «frenesim» pode considerar-se um delírio, uma hiperbólica inflamação cerebral.





Hermenegildo Espinoza