sábado, 26 de junho de 2010

Levanto uma folha, levanto outra. Agora um caderno. Nada. Pela terceira vez abro a capa de apontamentos, ainda que já sabendo lá não a ia encontrar lá também.
"- Onde raio a terei metido?"
Procuro num livro, numa prateleira, na estante inteira. Nada. E o meu estômago começa a apertar-se, com a sensação de perda.
E depois lembro-me!
Subo à pressa as escadas tropeçando no meu próprio fôlego e correndo por entre esta taquicardia: e ali está. Mesmo ao lado da tua fotografia. Quieta, como que esperando pacientemente que este meu rasgo de luz me levasse até ela.
E agora que a encontrei, tenho medo de lhe tocar. Tenho medo que o encanto acabe e que tudo não passe de um sonho bonito, mas finito; a minha mente avança, mas o meu corpo permanece, petrificado, a pesar os prós e contras, dando ligeira vantagem aos contras: Acho que me vou ficar outra vez pelo quase.
E viro costas em direcção à porta por onde há segundos tinha entrado mais feliz que nunca, para a atravessar na direcção contrária, mais inconsolável que da última vez que me vi nesta situação. Sim, isto é um processo cíclico em mim. Um ciclo demasiado vicioso.
Subitamente algo me detém. Não sei se foste tu que me deste a mão e me puxaste em direcção a ti, ou se fui eu que me fartei de suspiros e correrias vãs. Hoje decidi que nunca mais te vou largar.
E agarro-a, à tua alma. Agora, nem eu preciso de correr, nem tu precisas de esperar. E é assim que deve ser.

Este texto é dedicado a um amigo.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #11

11. a espinal medula de Santa Justa.


Umas escadas para subir
e Santa Justa, o elevador, quieto,
como todos os ascensores de esquina
que, mimetizando vértebras em coluna,
não fazem mais do que subir enquanto parados.

Só mais uma vez cair
e a nossa medula
sem conhecimento
da nossa existência
entre o empurra e os baloiços.

Tão precisas foram as palmadas
no lugar concebido para o efeito,
agora erguemo-nos sobre nós
e há peso, força, tónus
coordenação do mesmo lado
do lado que for preciso
e o elevador de Santa Justa
tal como a coluna erecta
sabe a gravidade contrariar.




Hermenegildo Espinoza

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Gira-discos #20

Humanos - Quero é Viver


É o que queremos todos.





*é a única coisa de que me consigo lembrar para corroborar a espectacularidade desta música do senhor Variações, não condenada ao esquecimento em gravações caseiras e, por isso, felizmente resgatada pelos Humanos vinte anos depois da sua morte, em 2004.




Hermenegildo Espinoza

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Boa noite, senhor Saramago


E até ao nosso amanhã. Como se disséssemos água.






Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 15 de junho de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #10

10. um postal para Netter.


Bebendo os últimos dias
que, sendo dilúvios que vêm por bem,
servem também para essa destreza
de denunciar mapas escondidos em armários
posteriores a toda a área da pele.

Mapas de ossos, músculos, orgãos
tudo assim obedecendo às proporções
de dedos do pé, dedos da mão.
Esta liturgia da descrição
sabe-nos tão bem
como a Deus soube a criação.

Em tantos cortes mínimos,
fatias desse bolo humano,
apetece descansar ao sábado
e reparar nos pormenores
dos traços imperfeitos
ainda que sublimes
da arquitectura
deste corpo.





Hermenegildo Espinoza

sábado, 12 de junho de 2010

Quase poesia

Já rola o Mundial de Futebol. Mais do que os incríveis inúteis, os bastidores que não interessam a ninguém, as tatuagens do Meireles, as peúgas do Ronaldo, as danças do Bruno Alves, os tás aqui tás apanhado de estupidez, os piqueniques de Carreira em riste e as horríveis vuvuzelas para provocar demência até à exaustão, o futebol é isto. Isto. Dios Santo, viva el Fútbol!



Hermenegildo Espinoza

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Aviso de aproximação dos sonhos a subir




Les écoliers de la rue Damesme
Robert Doisneau
1956




Hermenegildo Espinoza

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Make them all believe that the Hamas is Momma Theresa?

'cause we need to abandon reason... but not in that way!

Pitt

sábado, 5 de junho de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #9

9. os homens que não sabem salivar.


É uma pena realmente
a boca seca indicativa
de secreções pouco aquosas.
Tal como os delírios sem cor
nas alturas de entorpecimento
dos movimentos rápidos dos olhos.

Estão bem aviados os pobres
que da boca seca não conseguem
humidificar nem a menor tira de pão.

Peçam-lhes para não ser tão simpáticos
e para aprender a salivar em altas definições
não sendo necessário, portanto, invocar de riso
o senhor Pavlov e as suas deambulações.




Hermenegildo Espinoza