quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Gira-discos #14 das doze passas

Eu sei que os Grizzly Bear, são, de facto, uma banda agradável. Sei também que, neste último álbum, o terceiro, «Veckatimest», lançaram-se numa teia mais pop, num salto que não abandona o som mais experimental e rock folk dos anteriores registos (quem quiser confirmar pode ouvir esta óptima música «Knife» do segundo álbum e confirmar). Sei isto muito bem e, apesar de ser manifestamente pouco, juro que, se oiço mais uma vez a publicidade da Peugeot a repetir em ciclos mais rápidos do que o Speedy González com uma malagueta enfiada pelo recto acima (raio das estações de televisão, parece que fazem de propósito), gravo os anúncios da IdeiaCasa e as lições gastronómicas da Filipa Vacondeus e coloco-me a vê-los pela noite dentro da festa de Ano Novo, isto tudo para não entrar em processo de demência e degeneração neurológica. É difícil, eu sei que é, mas para grandes males, grandes remédios.
Last but not least, admito que o Clube anda um pouco enfadonho (sou pelos vistos o único sem vergonha a vir aqui chatear as pessoas em tempo de férias ou lá o que isto é; o resto dos elementos anda numa espécie de reconciliação com eles mesmos: "fazem bem e não fazem mais do que utilizar a inteligência que Deus lhes deu" diria uma das minhas vizinhas aqui do prédio se soubesse da nossa existência enquanto clube, o que não acontecerá nas próximas vinte e três inversões do campo magnético terrestre - ela gosta demasiado da excelência informativa do 24horas). Talvez isto melhore para o ano. A ver vamos. Para terminar definitivamente, como gostava de partilhar uma música e algum fogo-de-artifício digno de se equiparar ao da passagem de ano da Madeira com os estimados leitores para lançar 2010 e, apercebendo-me que a música em causa tem passado pouco nos meios de comunicação social de todo o mundo e também porque estamos em controlo de despesas por aqui, deixo-vos o vídeo. Tem tudo, tudo. Música, quatro indivíduos bem vestidos e espectáculo de fogo-de-artifício no fim como um apogeu singelo. O champagne comprem-no vocês.




Grizzly Bear - Two Weeks




Hermenegildo Espinoza

sábado, 26 de dezembro de 2009

Esta época natalícia não deve andar muito longe disto


Louvem-se os sonhos e as rabanadas, o bolo-rei (se bem que prefiro o rainha) e o vinho do Porto, e, mais importante, o cinto das calças que já tenho vai para cinco anos e que, não tarda, verá um novo furo utilizado. Eu soube logo que era uma prenda das boas quando mo ofereceram pois vinha juntamente com umas peúgas e com A Queda do Camus. Os bons amigos, na sua condição de família por nós escolhida, sabem sempre quando estamos prestes a cair. É preciso aprender, com a sua ajuda, a levantarmo-nos do chão. Um brinde, meus amigos.




Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

E por aqui andamos com as luzes psicadélicas a trautear músicas

Antes de mais, nos melhores costumes malditos, no bom gosto da época, tão propícia ao enternecer do nosso sistema límbico, queremos enviar os nossos parabéns para o tal gato que anda para aí há um ano a demover muitos jovens do suicídio intelectual, ajudando na cruzada da vida universitária dos estudantes icbasianos. Nesta época da tão famosa e precisa sopa dos pobres, convém relembrar que este felino indivíduo anda há um ano, numa missão solidária, a fornecer sebentas, livros, soluções, discussões de trezentos comentários com anónimos e assinantes com nomes extravagantes e dúbios e música inaudita bem como pirlimpimpim de iniciativas (não se pode odiar um ser que goste de Scrubs, minha boa gente). Portanto, estamos na presença de um ser que, até indirectamente, sem conhecer, potenciou a predisposição pré-existente para que uns indivíduos se acabassem por juntar e formar uma coisa qualquer que dá pelo nome de O Clube dos Médicos Malditos. Para felicitações ao próprio Tommy é seguir, então, por aqui.

Como não possuo qualidades vocais e talento para os instrumentos que me permitam uma mensagem de natal digna de tal nome, deixo então os postais natalícios de um génio que dá pelo nome de David Fonseca e que, desde 2006, brinda as pessoas com umas covers do mais original que se tem visto. Este ano, vejam só, pegou na música panisgas do Last Christmas e fez uma coisa de jeito, sempre com a originalidade que o caracteriza. Não custa admitir, aliás, devíamo-lo fazer mais vezes, mas este país é muito pequeno para o talento e para a arte deste senhor. Bom Natal e bom ano de 2010, é pois o que se exige.



2006



2007



2008



2009




Hermenegildo Espinoza

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

entre escassas linhas #8


Durante cerca de 2 meses habitou numa caverna

teve calor não humano
teve luz nunca a viu
não pôde escolher não tinha essa liberdade

[a sua liberdade limitava-se ao círculo delimitado pela corrente da grilheta que o prendia]

nesse espaço de tempo

o calor que sentiu cingiu-se àquele que era emanado pelas labaredas duma fogueira que se encontrava a 30 segundos de distância das suas costas
tudo o que vira resumia-se à sua sombra estampada no fundo da caverna

Para se estar ali
das duas uma
a) ou se escolheu estar por vontade própria.
b) ou contra a própria vontade foi-se escolhido para ali ficar por tempo indetermindado

De qualquer das formas os b) grilhetados não deixam de ser os mais frustrados
Pudera
foram puxados pelos a) para aquele beco sem saída

não tiveram oportunidade de escolher a sua condição

"Olá, eu sou o Pitt. Sou b) grilhetado. Estou na caverna contra a minha vontade, fui levado por um a) grilhetado que me culpa da sua condição actual: estar ele também preso na caverna. Apetece dar-lhe uns abanões e trazê-lo à realidade:

-Estamos aqui, assim, porque foi tua vontade !"

Resta-lhe ter fé no poder oxidante do "éter"
A páginas tantas a ferrugem apoderar-se-á daquela grilheta e aí poderá escolher
Não terá de se submeter.


Pitt

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Gira-discos #13



Tiago Bettencourt & Mantha - Outono

Do tiritar da estação agreste e exacerbada pelo frio, temos a inércia como fonte de incapacidade, do tardar dos trabalhos a fazer. É que os dias estão propícios à pasmaceira e ao espanto no vislumbre das luzes de natal, para alguns psicadélicas, da avenida dos Aliados. Numa boa companhia, numa conversa animada por sorrisos cheios de ar expirado em colunas de nevoeiro, um fim de tarde/início de noite pode ser acolhedor. A noite é um puzzle de dez mil peças e as luvas de lã contêm segredos escondidos debaixo da eminência tenar. E revoltamo-nos com as nossas obrigações, com a falta de tempo imposta por factores, sei lá ao calhas, anátomo-epidemio-histo-fisio-neuro-bioquímicos. E depois sabe bem olhar para o chão tingido por essas luzes de natal que projectam - como refere certa bíblia histológica - aspectos de tronquinhos secos no chão de uma floresta aludindo a fibras reticulares. O curioso é que sabe bem, dizia, olhar para esse chão e não ver mais nada. Nada. Nada de histologicamente relevante ou de qualquer outra estirpe científica. Apenas aspectos de tronquinhos secos no chão de uma floresta, excepto para aqueles que negam a virilidade da frase. E, enfim, as luzes do término do Outono.



Hermenegildo Espinoza

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Leituras & Remédios #9

"(...)
Também conheço os prédios. Quando vou pela rua, cada um deles como que me ultrapassa a correr para se virar e olhar para mim, com as janelas bem abertas, e só lhe falta dizer:«Bom dia, como está? Eu também estou bem, graças a Deus, em Maio vão acrescentar-me um andar.» Ou:«Então, como passa? Quanto a mim, amanhã vou para obras.» Ou:«Por pouco não ardi todo, apanhei cá um susto», e assim por diante.
(...)


páginas 14 e 15


"(...)
Sabe, Nástenka, até que ponto eu cheguei? Sabe que já me vejo obrigado a festejar os aniversários das minhas sensações, os aniversários das coisas que eu gostava tanto dantes mas que, pura e simplesmente, não aconteceram - aniversários de sonhos, de sonhos estúpidos e imateriais - e que me vejo obrigado a fazê-lo porque nem sequer esses sonhos estúpidos já existem e porque não tenho com que os suplantar: porque também os sonhos podem ser suplantados! Sabe que agora gosto de recordar e visitar nas datas certas os lugares onde outrora fui feliz à minha maneira, gosto de construir o meu presente em conformidade com o passado irrecuperável, e vagueio muitas vezes, como uma sombra, sem necessidade nem sentido, triste e desalentado, pelos becos e ruas de Petersburgo!
(...)

páginas 49 e 50

"(...)
Meus Deus, que grito! Como ela estremeceu! Como se arrancou das minhas mãos e voou ao encontro dele!...E eu a olhar para eles, mais morto do que vivo. E ela, logo que lhe estendeu as mãos, logo que se lhe atirou para os braços, voltou-se de repente para mim, correu outra vez para mim, envolveu o meu pescoço com ambas as mãos e beijou-me calorosamente. Depois, sem dizer palavra, voltou para ele, pegou-lhe na mão e levou-o consigo.
(...)"


página 90


Fiódor Dostoiévski
Noites Brancas, romance sentimental das memórias de um sonhador

edição Biblioteca Editores Independentes

(a leitura como um dos melhores remédios. quando as noites se prolongam por intermináveis conversas como focos de luz na escuridão inquieta, surgem ligações tantas vezes assimétricas. o apoio de uns acaba por ser a razão existencial de outros. e como se safam aqueles que fazem do sonho estandarte? aqueles que emitem prolongamentos de procura de justificação para o éter assomado da sua própria solidão? são as noites claras alongando-se até que o crepúsculo amparado pelo nascer do sol prontifique uma nova manhã.)


fotografia da autoria de Hermenegildo Espinoza


Hermenegildo Espinoza

domingo, 13 de dezembro de 2009

entre escassas linhas #7

Olho mas não vejo
Pergunto-me e não tenho resposta
Talvez não fui feito
Nem para olhar nem para perguntar
(Ou fui e não quero!)

Ó raízes, desvendai-vos!
Mostrai-me os vossos propósitos.


Por enquanto, "tudo isto é sal que não salga."


Pitt

sábado, 12 de dezembro de 2009

é a vida, Costa!

É por estas e por outras que o Diabo veste Armani!


Pitt

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Mil milhões de biliões de obsessões e a calçada portuguesa

Para curar uma febre teimosa pouco mais precisamos do que paciência. Não porque haja febres mais teimosas do que outras uma vez que a partir do momento em que ascendemos na escala do termómetro de mercúrio (permitam-me o louvar do antigo instrumento) colocado na recôndita axila, tantas vezes felpuda e sapiente dos nossos humores expelidos por sudoreses incomodativas, todas as febres - todas sem excepção - são sinónimo de teimosia, de uma afinco pelo incómodo. Quase como se o nosso corpo se rebelasse contra nós mesmos para nos salvar. Esta linha ténue e fronteiriça entre a salvação e o abismo está presente em todos os nossos âmagos, em todos os processos inerentes à condição humana mais enraizada, mais fisiológica, na lógica do salve-se-quem-puder-meu-deus-cada-um-por-si-até-morrermos-enfim.
O que me provoca agora celeuma e uma certa histeria mental não é mais do que isto: deveria eu perder o meu tempo a pensar nisto constantemente, nestes arranjos alicerçados ao longo de milhões de pedaladas de tempo conspirativo para a essência dos meus momentos? Por que razão não sou mais hedonista, mais focado nas pequenas coisas que fazem o todo e não no todo em si como revelação? A vida não deveria ser uma única obsessão, mas sim o conjugar de, como diz o poema-canção de valter hugo mãe (de minúsculas como ele gosta), mil milhões de biliões de obsessões. Os meus gatos, ali ao lado, nem com os prestigiosos nomes que com ousadia os baptizei, dormem na penumbra de um aquecedor. Alguém lhes tira a ideia, naquele ronronar, de um hedonismo perfeito?
Costuma questionar-me um amigo:
- Espinoza, como é que nos podemos livrar desta maleita de olhar para as coisas e de querer ver mais do que elas nos parecem mostrar?
E eu - tão frequentemente abuso do mesmo tique - baixo a cabeça e olho para as pedras da calçada (a calçada portuguesa diz-nos tanto com as suas fissuras e relevos) sorrindo aos tropeções:
- Gosto tanto de dizer que não sei.




Hermenegildo Espinoza

domingo, 6 de dezembro de 2009

entre escassas linhas #6

Compreenda-se:
Se tenho sede e me é dada água... sorte a minha, porque tinha sede, e sorte a da água, se queria ser bebida.
Se tenho fome e me é dado pão... sorte a minha, porque tinha fome, e sorte a do pão, se queria ser comido.
Agora, imaginemos que tenho somente sede e que, para além de água, me é oferecido pão. Na condição de que só posso optar por uma das coisas, tenho, dum lado, pão que quer ser comido, do outro, água que anseia ser bebida.
A atitude esperada da minha parte não surpreenderia em nada se eu optasse por saciar a minha sede, apesar de dispôr de um pão que necessita ser comido.
Porém, surpreenderia bastante se, tendo eu sede, por querer ambas as coisas em simultâneo, não optasse por nenhuma delas. Na pior das hipóteses, pela dúvida morria de sede. Pois bem, das duas uma: ou eu não teria assim tanta sede quanto aquela que proclamava e teria alguma fome, ou simplesmente agradar-me-ia o facto de ter, tanto o pão como a água, a lutarem para serem devorados por mim.
... de qualquer modo,não deixa de ser difícil de engolir.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Leituras & Remédios #8

Às vezes escondo-me no corpo e ninguém me vê.
As pessoas falam comigo e não notam que eu não falo com elas.
Posso até dizer algumas palavras,
posso até exprimir-me num longo discurso,
mas a verdade é que não falo com elas.
Estou escondido algures no meio do meu corpo.
Enfio-me todo no esófago ou no centro da artéria aorta ou na veia jugular,
e, por vezes, quando estou mais tímido, chego mesmo a esconder-me nos músculos da planta do pé.
Apesar de não saber os nomes destes músculos escondo-me lá muitas vezes.
Aliás, é melhor fugirmos para sítios de que desconhecemos o nome: ficamos ainda melhor escondidos.
É a minha opinião.

A minha personalidade a refugiar-se inteira no dedo mínimo do pé esquerdo, vejam bem.
Por vezes acontece-me.
O meu EU alojado no dedo mínimo do pé esquerdo.
Os mais importantes pensamentos concentrados no dedo mínimo do pé esquerdo.
As minhas sensações mais íntimas escondidas no dedo mínimo do pé esquerdo.

Quando me pisam é que é uma desgraça.
Só se tiver a sorte de me pisarem o outro pé.
Quando me pisam o pé mais importante começo a gritar; e começar a gritar é o começo do fim.
Quando gritamos não nos podemos esconder.
O corpo vem todo à pele ver o que se passa.
A pele é como se fosse uma janela.
Quando gritamos de dor, todas as células do corpo vêm à janela, ou seja, à pele, para assistir à procissão.
Mas há muitas células do meu corpo que não concordam totalmente com as minhas ideias.
Obedecem-me porque não têm alternativa, mas nas costas gozam-me e por vezes insultam-me.
Prefiro mesmo assim os insultos.
Os insultos são pequenas pancadas vindas do fundo dos órgãos.
É mais ou menos suportável.
O terrível é quando se põem a rir de mim.
Eu digo:
— Sou um grande acrobata,
e sinto logo algumas células a rirem-se.

As costelas abanam todas.
Os dentes é como se tivessem muito frio.
Os dedos dos pés encolhem-se.
É como se soprasse uma rajada de vento no meio do corpo.
Ainda por cima riem-se de quem as alimenta.
Se isto não é ingratidão, não sei o que é ingratidão.

Células más, um dia ainda vos mato.

O problema é que elas me têm por refém.
É impossível matar as próprias células do corpo sem morrer.

Parecendo que não, esta vida é muito complicada.




Poema de Gonçalo M. Tavares, retirado do livro O homem ou é tonto ou é mulher.



(a leitura definitivamente como um dos melhores remédios.)




Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

do espinoza #11

Se chegares encharcado a casa, o cabelo a pender pela testa e as rajadas de frio subindo em cortes transversais pelo teu corpo, como um arrepio axial humanizado (AAH), não conseguindo, contudo, estabelecer qualquer raciocínio lógico para aquilo que ele te implora, para o mal-estar que certamente te enclausura como bicho solitário, não desanimes muito, ou, se for o caso, se o desânimo acabar por te encobrir, não o leves demasiado a sério, não o tomes como dado adquirido e persistente. É tudo sol de pouca dura, ou, digamo-lo em pratos limpos, chuva de pouca dura.
O mais acertado a realizar, por muito refutável que seja (tão claro é que não dominamos variações, não somos produtos ambientais e genéticos estáticos) é prosseguir a vida, por mais que o corpo sofra (regozijem-se pela sua submissão à vontade). Concomitante com a ideia do que somos uma simbiose corpo-mente de refinada eficácia, convém avisar o corpo – tantas vezes déspota e tiranete das nossas vontades – que isto de convivência implica uma dose de democracia. Mesmo que o castigo contenha repercussões na própria mente – atestando a evidência da formosura simbiótica - deve-se incorrer nesta separação das águas. Em democracia é preciso saber perder. Que o corpo tenha noção que também a mente necessita de mimos.
Espera umas horas para enveredares pelo reconfortante banho. Não porque o corpo o pediu à exaustão, mas porque a mente assim o ordenou. Se ele, o corpo, ficar amuado, tanto melhor.




Hermenegildo Espinoza