sábado, 25 de junho de 2011

Possível topografia dos lugares interiores #41

41. todos sabemos chorar sem o pedir.


Alguém viu no espelho um vulto
de um menino metido consigo,
e logo esse alguém pediu:
- abre as asas, rapaz -
mas do solo o menino não descolou
no solo nenhuma pena caiu,
e teve o rapaz o acesso de bondade
de nos contemplar do alto da sua meninice
naquela posicão anatómica descritiva
de quem pode chorar sem o pedir.

Não tinha sombra, não tinha rosto,
um vulto não tem anatomia, tem suposições,
e alguém disse num tom cuidadoso:
- daqui não avançamos mais -
e viu-se invertido ao espelho
teve medo das suas feições de criatura
e também não teve necessidade de pedir.

Num atlas de anatomia actualizado
apareceu por cima um espelho de bolso
todo ele numa nitidez húmida
e uma pena fustigada pelo vento:
tão belo era esse prefácio da descrição
de quem pode chorar sem o pedir.




Hermenegildo Espinoza

quinta-feira, 23 de junho de 2011

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Possível topografia dos lugares interiores #40

40. se um dia o meu corpo não pedisse licença.

Raiados os dedos de benjamim
eu pediria uma inflamação de ossos
que de encontro à tua delicada bacia
criasse todos os dias do mundo.

Pretenderia ouvir todo o estalar dos meus ossos
todo o estirar dos meus tendões furiosos,
e pediria tanto que a orquestra dos ossos chatos
desse de si uma ovação às minhas contorções.

Eu poderei exercitar todos os instrumentos
que na arrecadação do meu corpo se amontoam
a tirar o tapete ao seu maestro, que vai pensando:
se um dia o meu corpo não pedisse licença.



Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 7 de junho de 2011

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um acento circunflexo é tudo menos circunflexo.

a menos que circunflexo seja sinónimo de "timbre fechado",
ou que um dedo cubista lhe tenha tirado as curvas.

não acredito que o picasso tenha perdido o seu tempo a moldar-lhe as formas,
e acredito ainda menos que "cúpula circunflexa" seja uma cupúla timbre fechada.

pitt

domingo, 5 de junho de 2011

Possível topografia dos lugares interiores #39

39. sistema desconfiança – humor – fragilidade.


Justamente em nós
cabe toda a desconfiança
que o corpo tem de si.

Justamente de nós
foge por vezes o humor
que o corpo não omite.

Justamente através de nós
a desconfiança e o humor
vão pintando fragilidades.





Hermenegildo Espinoza