sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Realidade percebida #3

Porto

O ar abafado,
de ruas, escadas, vielas, calçadas, até praças, resistentes descalças,
todas sussurram, apagadas,
o silêncio de um luar citadino,
tão velho, adulto e menino.

Noite calma, noite autista, só,
nas letras que compõe e só para si tira e põe,
que embraça e percute com longas dedadas
cordas sujas de velhas guitarras.
Música insonora, mas que a alma embala, o aqui e o agora.

Assim conta as suas histórias,
escreve as páginas de grandes vitórias, de grandes glórias,
feitos, que embora em fama pouco tenham,
vénias, muitas as contam;
ao sangue, ao grito, ao patriotismo interdito,
à coragem e à ambição dos loucos de coração, roucos de palavras moucas
que por si, pelos seus, pelo seu país, se entregaram,
deram a vida, beijaram e partiram com a morte
ecoando no Céu e no Inferno, escutada por Deus e pelo Demónio,
essa pronúncia do Norte.

Rebeldes de espiríto,
audazes de boca,
andrajosos visionários,
inconsequentes,
irrepreensíveis pela acção cavaleira.
Criaram um titulo, remando contra a maré,
fertilizaram o seu povo e os estrangeiros, ergueram-se de pé
e consigo, pedra por pedra, edificaram uma invicta Ribeira.

Velejando em barcos rabelos pelo Douro,
vigiam à séculos a noite, atentos,
de um túmulo fumegante e ainda de espada na mão,
entregues ao esquecimento por modéstia,
fechando os olhos, cerrando os dentes, qual morto,
sendo queimado pelo fervor de seu sangue poeirento,
e no entanto mais acordados que nunca, pela sua cidade,
o Porto.

Hoje, pela memória de velhas revoluções,
ergamos os copos, bebamos e gritemos à sua saúde,
deles, que por ela caminharam sobre brasas trespassados,
que a cavalgaram sob o manto da noite e as cores de um só brasão,
que a embruteceram de valores, ideais e sonhos tais
que a elevaram ao Olimpo,
que a espalharam pelas bocas do planisfério
e muito, muito mais.

Exército de indeléveis,
resistente ao tempo, imune ao esquecimento,
dorido pelo custo desse momento:
conquista eterna e simultaneamente efémera.

Erguida sob colinas habituadas à vitória e ao orgulho,
dona de um povo indomado,
reflexo contemporâneo espelhado,
talvez, quem sabe, de uma essência tão antiga como a Terra.
Cuida dos seus - dos nossos e dos que dela querem fazer parte,
sem precisar de recorrer ao "Engenho" ou à "Arte"

Bachiatari Sensei

2 comentários:

  1. Não há coisa que falte aqui. Cheio de vida, de morte, dos estandartes da liberdade, dos bons costumes, de vontade, de amizade. Uma espiral de memórias. Do passado que foi ao futuro que virá. Força motriz das nossas engrenagens. É preciso reconhecer o que nos toca. Somos homens altivos, bem sei, mas sabemos reconhecer a ternura mútua.
    Podem não ser precisos mas julgo haver, nestas linhas, muito engenho e muita arte.

    Abraço, caro Bachiatari.



    Hermenegildo Espinoza

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