Explicar um nome já de si difícil de pronunciar para um compatriota (tantas as vezes que estabeleci diálogos surreais enquanto me dirigia às secretarias das escolas que frequentei e noutros sítios públicos: a última vez foi na Segurança Social - um flagelo) torna-se um fracasso quando a missão é para um estrangeiro, neste caso uma bela (nos vários sentidos da palavra, não tenho pudores em admiti-lo) senhora inglesa pouco mais velha que eu, que não se encontra familiarizada com línguas de origem latina e com a forma de vocalização que os países mediterrânicos, maioritariamente, empregam.
Na avenida dos Aliados encontra-se um magnífica exposição denominada "Homem T" (mais informações aqui) e
Na avenida dos Aliados encontra-se um magnífica exposição denominada "Homem T" (mais informações aqui) e
obviamente que andava meio perdido a descodificar as várias mensagens das inúmeras estátuas (cerca de 100), algumas tão subliminares, arrojadas e de certo modo encerrando aquele je ne sais quoi tão característicos dos seres humanos que só à segunda tentativa me apercebi que a tal senhora me chamava num inglês britânico cerrado. Eu que passo sempre diluído nas multidões e tinha-me de escolher logo a mim?, pensei. Puro engano meu. O que queria ela?
- Do you know where is Lello's bookshop?
Palavra de honra que a figura da senhora transfigurou-se-me. Vejam só a minha sorte. Devo ter parecido um cão de Pavlov na esperança de ajudar na sua intenção de visitar a Lello (um dia dedicarei-lhe um post, à livraria, só para verem a importância que ela adquiriu na minha vida, juntamente com os gatos malditos). Lá incorporei um papel de guia turístico e a encaminhei até ao seu destino (a conversa propriamente dita não a revelarei por respeito). Tudo correu nos ditames normais entre desconhecidos até sairmos da livraria. Tirou fotografias à decoração exuberante, aos documentos autógrafos de Eça de Queirós e de Camilo Castelo Branco, autores que desconhecia. Interessava-se por poesia, confidenciou. Pediu uma sugestão para um livro português que pudesse levar como recordação. Mário Cesariny de imediato respondi, sabendo que dificilmente saberia lê-lo no nosso idioma. À saída agradeceu-me, tinha de voltar para o hotel. E então perguntou-me o nome:
- Hermenegildo Espinoza - respondi a medo.
- Herm.. what?
Ainda tentei uma três vezes ensiná-la a pronunciar, totalmente em vão, se bem que da sua boca o meu apelido saía num forte Spinoza. Desembaraçou-se ela da melhor maneira da situação:
- Well, Spinoza, for me, you will always be the portuguese guy from the bookshop.
E foi-se, naquele andar deslumbrado dos turistas. Regressei a casa, a questionar estas agradáveis artimanhas que a vida nos propicia. Tendo há muito estabelecido a felicidade ou o que dela se aproxima como uma soma de parcelas de bons momentos, este encaixou-se nessa equação. Há uns textos atrás um leitor num comentário disse que eu andava todo romântico. Poderá ser que sim, no entanto apraz-me dizer que, a começar a irromper algum sentimentalismo na minha existência, isso se deverá, em grande parte, às várias teias de acções que nos envolvem. Nesse sentido, quanto muito, o aparecimento da inglesa é uma consequência dessas acções (livres, suponhamos), e não parte de qualquer aptidão ou característica minha que catalisou esta situação.
É assim o mundo, uma catadupa de sobressaltos. Resta-nos a nós maximizar o que de bom nos vem à rede.
Hermenegildo Espinoza
- Do you know where is Lello's bookshop?
Palavra de honra que a figura da senhora transfigurou-se-me. Vejam só a minha sorte. Devo ter parecido um cão de Pavlov na esperança de ajudar na sua intenção de visitar a Lello (um dia dedicarei-lhe um post, à livraria, só para verem a importância que ela adquiriu na minha vida, juntamente com os gatos malditos). Lá incorporei um papel de guia turístico e a encaminhei até ao seu destino (a conversa propriamente dita não a revelarei por respeito). Tudo correu nos ditames normais entre desconhecidos até sairmos da livraria. Tirou fotografias à decoração exuberante, aos documentos autógrafos de Eça de Queirós e de Camilo Castelo Branco, autores que desconhecia. Interessava-se por poesia, confidenciou. Pediu uma sugestão para um livro português que pudesse levar como recordação. Mário Cesariny de imediato respondi, sabendo que dificilmente saberia lê-lo no nosso idioma. À saída agradeceu-me, tinha de voltar para o hotel. E então perguntou-me o nome:
- Hermenegildo Espinoza - respondi a medo.
- Herm.. what?
Ainda tentei uma três vezes ensiná-la a pronunciar, totalmente em vão, se bem que da sua boca o meu apelido saía num forte Spinoza. Desembaraçou-se ela da melhor maneira da situação:
- Well, Spinoza, for me, you will always be the portuguese guy from the bookshop.
E foi-se, naquele andar deslumbrado dos turistas. Regressei a casa, a questionar estas agradáveis artimanhas que a vida nos propicia. Tendo há muito estabelecido a felicidade ou o que dela se aproxima como uma soma de parcelas de bons momentos, este encaixou-se nessa equação. Há uns textos atrás um leitor num comentário disse que eu andava todo romântico. Poderá ser que sim, no entanto apraz-me dizer que, a começar a irromper algum sentimentalismo na minha existência, isso se deverá, em grande parte, às várias teias de acções que nos envolvem. Nesse sentido, quanto muito, o aparecimento da inglesa é uma consequência dessas acções (livres, suponhamos), e não parte de qualquer aptidão ou característica minha que catalisou esta situação.
É assim o mundo, uma catadupa de sobressaltos. Resta-nos a nós maximizar o que de bom nos vem à rede.
Hermenegildo Espinoza