sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Possível topografia dos lugares interiores #48

48. uma transfusão de elementos figurados do medo.


Tem um carácter particular
o medo que trespassa a pele
a mesma que teimosa
deveria ser impermeável.

Na confusão da história
a falência do medo é perniciosa
e é tão grave como a coragem louca
que raramente vem uma segunda vez.

Atenta sempre
às condições do corpo
que no seu elementar desejo
deve ter o receio de subir a montanha.




Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Isto de estar vivo ainda um dia acaba mal

Todos os semáforos entre o alfarrabista de eleição e a minha casa dos gatos literários estavam vermelhos. Todos. Estive parado em em todos os semáforos. Foram cerca de sete. Fina ironia a desta vida, a mandar-me interromper a marcha insistentemente. E eu insisti também, dando logo trabalho às pernas assim que o macadame livre mo permitia. Não faço futurologia com semáforos, mas põe-te fino, Espinoza. Como dizia o Luiz Pacheco, porque assim já o tinha dito o Manuel da Fonseca, isto de estar vivo ainda um dia acaba mal.



Hermenegildo Espinoza

domingo, 20 de novembro de 2011

O narcótico dado às cegas

quando não se é ouvido vai-se bater a outra porta.

foi o que fez o rezingão. rezingão que se preze, não só faz oscilar membranas timpânicas, como também provoca oscilações da glote, em movimentos coordenados de cordas-palavras.

o rezingão não tinha esse efeito com o, até então, seu ortopedista. que se pode fazer perante um ortopedista enviesado? é surdez e não-cegueira.

se essa surdez é ou total, ou selectiva, é outra questão. mas estou em crer que se a deficiência auditiva fosse absoluta, o ortopedista jamais teria sido ortopedista, porque não conseguiria acudir aos "ais" que todos os dias o chamam.

a não-cegueira é osso do ofício. ortopedista só acredita na dor que se vê: tibias fracturadas que espreitam a luz do dia; pisiformes com microfracturas no papel Curie, luxações dos pés às 12h30min.

portanto,ortopedista só ouve aquilo que vê. é céptico.
o analgesista, não. ouve o que não salta à vista. não deixa de ser céptico, mas é metódico.

resta-me ter fé no seguinte: que a mão do rezingão faça ressoar a campainha certa.

galli pitt

sábado, 19 de novembro de 2011

A dor asiática

É a chamada dor osteo-étnica ou osteo-racial: há dias, um doente rezingão, daqueles muito sensíveis a uma correcção, queixou-se que já andava farto de referir ao seu ortopedista que não podia mais com a sua dor asiática. Hipócrates bem sabe o que me custou a placidez dos músculos faciais do riso.


Hermenegildo Espinoza

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pouco me importo, se, arrastado pelos mercados, der falência o BIMM.
Mas esta crise vai além da algibeira.

A crise chega a tudos.

um maldito

terça-feira, 15 de novembro de 2011

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Possível topografia dos lugares interiores #47

47. a arte de refilar nas salas de espera.


Uma cadeira não esquece as horas,
os minutos prolongam-se nos ossos doridos
enquanto alguém espera uns segundos eternos.

Não há má notícia que aguarde a sua vez
nem maus diagnósticos que se acumulem
nos corredores de olhares cabisbaixos.

Quem refila na sala de espera
tem medo que o medo da dor
chegue e não avise ninguém.




Hermenegildo Espinoza