terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Palavras Proibidas...

“Depois a trágica retirada para o jazigo ou cova,

E depois o princípio de morte da tua memória.

Há primeiro em todos um alívio

Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido…

Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,

E a vida de todos os dias retoma o seu dia…


Depois, lentamente esqueceste.

Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:

Quando faz anos que nasceste, quando que faz anos que morreste;


Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.

Duas vezes no ano pensam em ti.

Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,

E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.”

In Poesia de Álvaro de Campos Vol. I, Fernando Pessoa, PLANETA DEAGOSTINI

Caros Malditos e leitores aspirantes a malditos,

Já há um largo período de tempo que não exponho neste nosso blogue as minhas palavras, que dizem alguns, serem de uma sabedoria natural. Mas não creio em tal. Comecei este meu post com um poema de Álvaro de Campos, poema esse que eu tenho uma admiração especial, pois é difícil encontrar uma definição de morte melhor do que a de Álvaro de Campos.

A morte é um processo lento e gradual, e não como nós aprendemos a paragem do funcionamento do tronco cerebral (é apenas o inicio). Consiste então numa queda no esquecimento principalmente por parte daqueles que nos amam.

Mas porque estou eu a falar de morte? Simplesmente porque nos últimos tempos, comecei a pensar mais nesta questão, e no sentido da vida. E cheguei à conclusão que o sentido da vida reside no objectivo de morrer realizado. Mas como podemos então sentirmo-nos realizados, quando não temos uma pessoa do nosso lado a apoiar, com a sua força, com a sua vontade de viver, de crescer, de amar, de encantar? Temos de procurar essa pessoa, que alguns dizem ser a nossa cara metade… Pode acontecer que tenhamos encontrado essa pessoa, e nunca tivemos coragem para lhe dizer, com um receio certo de ouvir um não. Talvez as palavras que sempre desejamos dizer são palavras proibidas. O seguinte excerto da música “Vontade de Mudar”, dos Madredeus, traduz o que eu digo.

“Pobre, de quem não tem

De quem não tem ninguém

E sonham que nunca é tarde

Quando encontrar alguém”

Isto é mais um dos meus devaneios, assumindo-me no papel de entidades distintas de mim, e reflectindo sobre as suas vidas, vivências, sentimentos e relações. É difícil viver na angústia de uma solidão rodeada de gente. Não tenho mais palavras…

Ubirajara Piatã © PD

2 comentários:

  1. Meu caro,
    permita-me interferir no seu regresso e acrescentar um poema de Pablo Neruda que traduz melhor em palavras aquilo que os gestos demoram em representar.

    Morre lentamente quem não viaja, quem não lê,
    quem não ouve música,
    quem não encontra graça em si mesmo.

    Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
    quem não se deixa ajudar,
    morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
    repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca,
    não se arrisca a vestir uma nova cor
    ou não conversa com quem não conhece.

    Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

    Morre lentamente quem evita uma paixão,
    quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoínho de emoções,
    justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos.

    Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
    quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
    quem não se permite pelo menos uma vez na vida a fugir dos conselhos sensatos.

    Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante…

    Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo,
    não pergunta sobre um assunto que desconhece
    ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

    Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar.
    Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio pleno de felicidade

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  2. Caro(a) Sidarta,
    Admiro profundamente esse poema, concordando plenamente com ele...
    Nós é que iniciamos o nosso lento e gradual "processo de morte", ao deixar de viver! Pois viver, é mesmo isso o que Pablo Neruda diz, é aproveitar na vida aquilo que nos dá gozo... E se não somos capazes de tal, então estamos a morrer!

    Vejo que tendes um espírito maldito!

    Saudações!

    Ubirajara Piatã

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