continuação deste relato
Com os gestos habituais de uma diabética desde os 15 anos como confidenciou, fez tudo certinho. Resultado: 40 mg /dl.
Estava, portanto, hipoglicémica. Mais do que tentar perceber o que tinha, o importante era aumentar, quanto antes, os valores de glucose no sangue.
- Como é que não me lembrei de medir isto? Devem ter sido os nervos.
Pus-me a pensar enquanto dava açúcar empapado em algumas gotas de água à senhora, fornecido pela minha vizinha, passando depois para um pouco de sumo de laranja que ela também me forneceu. Se ela tinha vomitado, como contou depois, o almoço e o pequeno lanche da tarde, certamente que desde a hora do almoço (12h30) que não ingeria carbohidratos, ou melhor, estes não chegavam ao sangue pela digestão, pelo que esse precioso substrato energético estava em falta. Provavelmente as outras vias, como a gluconeogénese (impulsionada pelo glucagon) ou a glicogenólise não estavam a conseguir compensar esse défice e o corpo ainda não tinha engendrado mais nenhuma das outras vias que suprimissem, rapidamente, esse mesmo défice. Só me surgiam hipóteses. Porém, o necessário seria tornar os valores normais.
A senhora acabou por melhorar e após um tempo mediu novamente os valores. Estavam a subir, chegando mais próximo do normal. Entretanto, apareceu o seu marido para a ir buscar e ela foi à sua vida, mais animada e com os sintomas de tremura e tontura praticamente ínfimos. Agradeceu-me a ajuda, não antes de eu lhe recomendar que quando chegasse a casa comesse qualquer coisa para estabilizar e que medisse os valores mais uma vez, não fosse também exagerar na comida ingerida provocando uma posterior hiperglicemia. Se a dor de barriga persistisse ou o problema - agora desaparecido - que a fez vomitar, voltasse, seria melhor ir ao centro de saúde ou hospital. Contudo, a visível melhoria indicava que o problema tinha sido pontual. Assim se deu este nano-caso clínico, mas que vai para o catálogo de esperiências.
Analisando a situação constato que pouco mérito meu existiu para a recuperação da senhora. Mais que provavelmente viria o momento em que ela própria se lembraria de medir os valores de glucose no sangue e saberia pela certa como actuar, habituada por tantos anos de doença. Quanto muito, a minha acção teve alguma significância em não deixar agravar a situação. Isto é, não foi necessária uma resposta científica de todo o tamanho, essencial foi falar com a senhora e relembrá-la do seu estado prévio que poderia estar na origem do seu mal-estar. Depois convém confortar os pacientes e permitir que a díade se desenvolva.
Pequenas coisas, um médico vive por vezes de pequenas coisas. Coisas simples, nada estrondosas na actuação mas que sejam elementares e eficazes. Nestes momentos não sabemos se somos bons ou maus médicos, sabemos somente que temos de agir. Se nos calha um solução mais simples, tanto melhor para nós como para o paciente. Se nos é pedido um maior esforço, compete a nós que o façamos. Até se pode dar o caso de de não ter tido em conta todos os factores ou de o modo de conduta poder ter sido diferente. É normal a variação e poderiam surgir críticas à minha actuação. Felizmente que o paciente, o interessado, saiu a ganhar. Vivemos neste limbo de ciência e agilidade. E por lá continuaremos.
Voltei para casa com a sensação de vazio habitual em mim um pouco atenuada. E com a dita carta. Apaguei as luzes da sala e sentei-me no cadeirão de vime que está no centro, com os meus gatos enrolados nas pernas. Tentei calcular o meu peso no mundo. Pensei umas horas. Não consegui. Quando acordei de manhã no mesmo cadeirão só me vinha à cabeça que estava atrasado para o raio do trabalho.
Hermenegildo Espinoza
Com os gestos habituais de uma diabética desde os 15 anos como confidenciou, fez tudo certinho. Resultado: 40 mg /dl.
Estava, portanto, hipoglicémica. Mais do que tentar perceber o que tinha, o importante era aumentar, quanto antes, os valores de glucose no sangue.
- Como é que não me lembrei de medir isto? Devem ter sido os nervos.
Pus-me a pensar enquanto dava açúcar empapado em algumas gotas de água à senhora, fornecido pela minha vizinha, passando depois para um pouco de sumo de laranja que ela também me forneceu. Se ela tinha vomitado, como contou depois, o almoço e o pequeno lanche da tarde, certamente que desde a hora do almoço (12h30) que não ingeria carbohidratos, ou melhor, estes não chegavam ao sangue pela digestão, pelo que esse precioso substrato energético estava em falta. Provavelmente as outras vias, como a gluconeogénese (impulsionada pelo glucagon) ou a glicogenólise não estavam a conseguir compensar esse défice e o corpo ainda não tinha engendrado mais nenhuma das outras vias que suprimissem, rapidamente, esse mesmo défice. Só me surgiam hipóteses. Porém, o necessário seria tornar os valores normais.
A senhora acabou por melhorar e após um tempo mediu novamente os valores. Estavam a subir, chegando mais próximo do normal. Entretanto, apareceu o seu marido para a ir buscar e ela foi à sua vida, mais animada e com os sintomas de tremura e tontura praticamente ínfimos. Agradeceu-me a ajuda, não antes de eu lhe recomendar que quando chegasse a casa comesse qualquer coisa para estabilizar e que medisse os valores mais uma vez, não fosse também exagerar na comida ingerida provocando uma posterior hiperglicemia. Se a dor de barriga persistisse ou o problema - agora desaparecido - que a fez vomitar, voltasse, seria melhor ir ao centro de saúde ou hospital. Contudo, a visível melhoria indicava que o problema tinha sido pontual. Assim se deu este nano-caso clínico, mas que vai para o catálogo de esperiências.
Analisando a situação constato que pouco mérito meu existiu para a recuperação da senhora. Mais que provavelmente viria o momento em que ela própria se lembraria de medir os valores de glucose no sangue e saberia pela certa como actuar, habituada por tantos anos de doença. Quanto muito, a minha acção teve alguma significância em não deixar agravar a situação. Isto é, não foi necessária uma resposta científica de todo o tamanho, essencial foi falar com a senhora e relembrá-la do seu estado prévio que poderia estar na origem do seu mal-estar. Depois convém confortar os pacientes e permitir que a díade se desenvolva.
Pequenas coisas, um médico vive por vezes de pequenas coisas. Coisas simples, nada estrondosas na actuação mas que sejam elementares e eficazes. Nestes momentos não sabemos se somos bons ou maus médicos, sabemos somente que temos de agir. Se nos calha um solução mais simples, tanto melhor para nós como para o paciente. Se nos é pedido um maior esforço, compete a nós que o façamos. Até se pode dar o caso de de não ter tido em conta todos os factores ou de o modo de conduta poder ter sido diferente. É normal a variação e poderiam surgir críticas à minha actuação. Felizmente que o paciente, o interessado, saiu a ganhar. Vivemos neste limbo de ciência e agilidade. E por lá continuaremos.
Voltei para casa com a sensação de vazio habitual em mim um pouco atenuada. E com a dita carta. Apaguei as luzes da sala e sentei-me no cadeirão de vime que está no centro, com os meus gatos enrolados nas pernas. Tentei calcular o meu peso no mundo. Pensei umas horas. Não consegui. Quando acordei de manhã no mesmo cadeirão só me vinha à cabeça que estava atrasado para o raio do trabalho.
Hermenegildo Espinoza
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