quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Imagiologia (quase) médica #6




Ao Homem quase tudo é permitido. Habitamos o mundo e dele somos grua: exponenciamos capacidades e disseminamos resoluções e modos de viver. Tão perfeitos somos que até o mal consciente conseguimos engendrar, não havendo tamanho fascínio por tal “habilidade”. Na escala do tempo, e sendo nós uma ínfima parte sua, poder-se-á interrogar se, analogamente, não estaremos nas fases iniciais de um Big Bang civilizacional. Indicam os nossos olhos – com as devidas dúvidas sobre a autenticidade dos nossos sentidos - que sim. Estamos naquilo que se compara a um embriogénese, lançando feixes expansivos para o nosso redor. Cegos criativos nascemos e vamos reduzindo as dioptrias à medida que avançamos na precisão dos relógios atómicos. Uns mais que outros indubitavelmente.
E se esta pedalada pelo monte helicoidal não bastasse, desenvolvemos a maior das técnicas para a sobrevivência, mais que os restantes seres do planeta. Ainda que com muito instinto, sorte, e favorecimento darwiniano quanto baste, encetámos a versatilidade do bypass. Somos os dogmáticos do “contornar por cima”, do “chico-espertismo”, do desenrasque, do desemerdar, do científico - em todos os sentidos – bypass. Contornar os obstáculos. Tenho um fraco suprimento de sangue no meu próprio coração? Ó meu amigo, faz-se um bypass, altera-se a rota de um vaso ou então implanta-se um tubo sintético que faça a ligação. Tenho um vazio de moedas no bolso? Ó amigo, vai trabalhar, não é? Tenho uma rapariga que não me ama? Ó amigo, parta para outra. Mãe, já gastei o dinheiro todo da mensalidade para as minhas coisas da universidade, o que faço? Ó filho, desemerda-te.
E mais que projectos subliminares de vida, um Deus ou vários, que a haver ou existirem, tenham um plano para nós, por muito que tudo seja afunilado, dúbio ou ribau bau bau pardais ao ninho, haveremos sempre de nos desemerdar. Fazendo alterações de rota a nós próprios, aos outros, ao ambiente envolvente, aos nossos ideais e princípios, daremos sempre a volta. Circum-navegando a adversidade. O pior que poderá acontecer será retornarmos ao mesmo ponto, ao nosso seio coronário existencial para logo sermos enviados para longe, até onde tenhamos retina. Temos trabéculas e músculos papilares para dar e vender. Auriculetas e septos regateando. Válvulas separando os lugares. Com as mãos em cone formando um infundíbulo projectado para os membros mais separados da varanda supra-orbitrária. Dentro da grande circulação do mundo temos a pequena circulação nossa.
Imagiologia (quase) médica. Imagiologia (quase) humana. Um coração em cada objecto.






na imagem, o bypass mais ternurento de sempre
: Las Dos Fridas (The Two Fridas), da autoria de Frida Kahlo, 1939.






Hermenegildo Espinoza

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