quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

não me travem quando eu quero acelerar #1

Trago a roupa de estrada, vou percorrer a calçada,
- fachada?,
fugir antes de voltar para trás, eu lembro-me de que antes os meus dedos mexiam quando eu pedia, o meu corpo saltava quando eu pedia, as pernas corriam na savana do tempo porque o tempo era o meu, e não percebo, não percebo mesmo, mas desde há meses,
- anos ou talvez sempre?,
que choro sem que o ânimo peça, treze semáforos a verde num percurso de meia-hora, nenhum trânsito na calçada, e eu não preciso de me desviar, não preciso de parar, conheço apenas a modalidade de acelerar,
- não me travem quando eu quero acelerar,
é o que eu lhes grito sempre, mas não sei o que dizem as pessoas, não digo nada nem nos sombrios confessionários da infância, não conto rigorosamente nada, não faço amigos, porque se os perco também me vou perdendo a mim, quando o sol se põe no céu e eu me lembro que num percurso de meia-hora treze semáforos,
- é preciso ter sorte, sim, treze é formidável,
treze semáforos, senhores, em que o verde brindou-me brilhante a passagem, não precisei de cantar de regozijo, o alcatrão do chão gelado,
- é inverno, rapaz, estamos no inverno,
caminho ao abrigo dos leões e vejo mosaicos num azul fechado,
- as cores fecham-se, não sabias?,
oiço estilhaçar vidros no chão, e os meus pés colam-se às pedras, uma rapariga decotada de lábios exagerados,
- queres?,
e eu não quero nada, o frio não me incomoda e não tarda regressarei a casa conformado,
- sei fazer umas coisas que te podem animar,
não me parece que a rapariga saiba de algum método eficaz para mitigar um desamparo aprendido, nem que me ensine a falar a língua dos outros,
- decide-te que tenho outros à espera,
pela rispidez duvido que ela saiba o que é o conforto de treze semáforos a verde, e pelo vestido vermelho eu julgo que não é para avançar, alguém tomará o meu lugar, alguém que sofra do mesmo anseio, alguém que diga,
- quero, sim,
e me relembre,
- não querias acelerar?,
eu queria tanto, até porque o sol não tarda aí a acordar a multidão que se ergue da cama para a destilaria do ódio,
- vão morrer todos, vão, e julgam que é melhor não pensar nisso, é estranho,
e eu vou tentando ser decente, a culpa não é deles, nem todos podem encontrar quinze semáforos a verde,
- que quinze?,
peço desculpa, treze, treze semáforos a verde, eu não tenho culpa que desde há meses eu chore sem que o ânimo peça, nem que a roupa de estrada me leve de retorno a casa,
- todos os dias é o que tem acontecido,
embora eu repita, enquanto a janela do quarto se fecha e já não oiço o vidro estilhaçar, que não me poderão travar todas as vezes que eu quiser acelerar.






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