sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Possível topografia dos lugares interiores #30
Senhor Bach, Senhor Mozart, Senhor Chopin,
não me esquecerei de si, Senhor Beethoven,
quero crer que mais que a magia
de qualquer piano abençoado,
tinham todos ossículos de ouvidos preparados
para novas euforias, novos silêncios e epifanias,
dedilhadas no compasso de um amor conturbado.
À condução de outro som a hemisférios não dominantes
- e à permanência da resistência ao enfado -
chamam-lhe criatividade e imaginação,
de maneira que não há vencimento que abata
o requinte de um bom meato acústico
e nervos que abrem ressonâncias dentro de nós.
É que um bom compositor,
não pretende só incutir alguns sons,
mas também dedilhar-nos os ossículos.
Hermenegildo Espinoza
*este poemário está prestes a fazer um ano de publicação.
muitos lugares interiores aindam restam para topografar.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Gira-discos #34
DREAMS - I WANT YOU from frederico on Vimeo.
Os sonhos. Desconfio tanto deles como das pálidas sombras que me atravessam os olhos pouco antes de adormecer. Há, claro, uma admiração por essas imaginações, ora efusivas, ora incomodativas, não só porque os sonhos são, eles próprios, uma experiência frequentemente irracional, mas porque, verdadeiramente, adicionam uma racionalidade posterior à divagação: precisamos do inesperado que alumie o caminho da razão. Eu vejo, ou melhor, oiço, ou ainda melhor, experiencio isso com os Dreams: é a harmonia repetitiva que, de tanto repetir, se diversifica; é a batida, uma profunda percussão a cravar-nos estacas de quotidiano no peito; é a voz, aquela voz mansa, longínqua, muitas vezes inexplicável, que em momentos precisos revela a sua mensagem. Dreams carrega em si, apesar do paradoxo, o peso que a realidade delega na subjectividade dos sentidos. Dreams é o meio que a realidade encontra para chegar ao seu fim: dar-se a conhecer. Ninguém sentirá esta música como eu, porém, acabamos todos por sair alterados; no meu caso, desconfiado uma vez que a minha realidade ainda não me cumprimenta da mesma maneira que eu.
Sabem aqueles momentos em que, prestes a adormecer de cansaço, sentimos um valente espasmo na perna que logo nos reaviva? Pois bem, acabamos eventualmente por adormecer, mas a perna, essa, conseguimo-la sentir melhor.
Hermenegildo Espinoza
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
Possível topografia dos lugares interiores #29
Uma gota de sangue no dedo,
uma rosa e um queixo caídos,
arranhado o amor anterior,
triste vai o carinho proximal.
À distância uma coluna de desculpas,
um enxerto de vaidade posterior,
cervical, torácico, lombar,
a dor de não poder estar.
Longas horas, trinta e muitos níveis,
a física de perdurar até mais não poder
- erguer, erguer, distribuir o nervoso -,
abre em nós um caiado lugar honroso.
Hermenegildo Espinoza
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Epitáfios para um médico de algibeira VI
Hermenegildo Espinoza