segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Imagiologia (quase) médica #14

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O Ciclo cardíaco. Sístole-Diástole-Sístole-Diástole.




Hermenegildo Espinoza

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #22

22. aijesus para os que tombam de lividez.


Vou a caminho do nada, venham comigo,
cientes de um limbo de escarpas tingidas
com os nossos nomes marcados a sangue:
o nosso, perpassado por elementos que,
mais que figurantes, reis do protagonismo
de um épico poema-ópera de Strauss.

Assim falou quem da boca a terra seca
estabelecia composições de fogo duro.
A jangada que nos leva, mais os dois tostões,
é tão triste como os olhos alargados e inchados
de quem ficou para trás com o nosso corpo nas mãos.

Há, contudo, quem guarde o corpo na expectativa
de valentes dissecções das camadas que escondem almas.
E pensar em quem sustenta o rasto da Criação é difícil de aceitar,
como tão fácil é resignar-se à ideia da inexistência de dedo divino.
Vou a caminho do nada, venham comigo, que garanto dessas teorias
estarem as duas erradas, as duas certas, e a Medicina sempre no meio.





Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Gira-discos #29




Os Golpes - Vá lá Senhora (com Rui Pregal da Cunha)

Alguém para amar, raparigas e rapazes, alguém para amar, este baile não pode parar, raparigas e rapazes, somos os monumentos tão audazes, raparigas e rapazes, venham daí dar-me a mão, raparigas e rapazes, ofereço-vos a alegria da tradição, raparigas e rapazes, agora que o Inverno ganhou ao Verão, raparigas e rapazes, saiam da alegórica caverna, raparigas e rapazes, olha o azeiteiro a sacar a mulherada, raparigas e rapazes, vá la senhora, irá beber comigo até de madrugada?




Hermenegildo Espinoza

sábado, 20 de novembro de 2010

Epitáfios para um médico de algibeira II

/Na altura de escrever a receita, aquela bata branca de anjo estático, na sua caligrafia de apontamentos distraídos, perdurava na memória colectiva de exorcizar. Bem-haja ao escrevinhador e ao seu prontuário terapêutico/







Hermenegildo Espinoza

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Leituras & Remédios #14

Busque Amor novas artes, novo engenho,
para matar me, e novas esquivanças;
que não pode tirar me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que n'alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.


Luís Vaz de Camões



(a leitura, princípio activo de vida, como um dos melhores remédios, oxalá)





Hermenegildo Espinoza

domingo, 14 de novembro de 2010

Gira-discos #28

Animal Collective - My favorite colors

Assim que as cores desaparecem, ou melhor, se desvanecem a preceito de uma ligeira vontade de fuga, a música acaba por soar mais honesta. No fundo, as cores que cambaleiam como nós em noites de embalo nicotínico ou cafeínico, como se fossem um determinante agressivo para não nos perdermos,
- As cores, rapaz, as cores, não te esqueças delas,
Algures na algibeira (os médicos, quer queiram quer não, têm muitas vidas depositada na concavidade dos seus bolsos) enterram-se as tonalidades fugidias e muito temperamentais, muito senhoras do seu nariz,
- Deus me livre, rapaz, mas não encontro sentido nas palavras que dizes, nem cores, tudo muito baço, rapaz,
Livres como cândidas flores que absorvem todos os comprimentos de onda para exibirem, como as mulheres vaidosas e fúteis, as lombadas das suas coxas cintilantes (conheço muita dessas na minha rua), deambulando, deambulando pelos lancis à espera de não caírem, ou, se for o caso, que alguém, príncipe encantado de sarjeta, lhes acomode a queda de caule que não soube virar-se para o sol,
- Como vai essa cabeça, rapaz, algum dia saberás dizer as coisas como elas são e não como tu as pensas?,
O mesmo sol que se esgueirava pela enfermaria onde vi morrer o primeiro paciente da minha carreira fantasmagórica de médico de algibeira, o paciente que não pude salvar, o paciente que perdeu as suas cores, as cores, as cores, as cores, não esquecerei aqueles olhos a apagarem-se num colapso tão ténue de girassol mordido pelo vento,
- Tudo muito ao jeito de alguém que não se apercebeu do que é viver ainda, não é, rapaz?,
E lembrei-me do meu avô na soleira da porta,
- Todos morremos, Hermenegildo, todos morremos,
Não contive a raiva, pois os olhos do paciente tombavam no intervalo do pestanejar dos meus, e a irritação de não querer conceber um susto tão rotineiro, um susto assim,
- Sabe, avô, não sei se fui feito para poder testemunhar este colapso das cores das pessoas,
Ao que ele coçava a barba e ronronava enquanto pensava sermões para peixes miúdos,
- Enfim, rapaz, enfim, ninguém manda nas cores, ninguém manda,
Enquanto eu, feito camaleão de olhos giratórios, mantinha o meu movimento de precessão, como um pião que, quase quase a cair, tenta não perder as cores favoritas que se escapam.





Hermenegildo Espinoza

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #21

21. recônditos lugares de Papez.

Armazenar a memória de uma paisagem
onde sequelas de uma emoção transbordam
sobre circuitos com o arsenal da integração.

Ecos refinados de alguém que questiona:
- É isto uma emoção?
E poucos respondem porque
poucos são os que sabem.

Evidentemente,
que o estado de coração na boca
vem ancorado a uma fusão de memórias
que condiciona tanto a memória de ter tido
quanto a memória de estar a ter, embora se saiba
que mesmo aqueles que julgam saber, duvidam:
- Não conhecemos bem a fímbria desses ecos.



Hermenegildo Espinoza

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Wilhelm Röntgen

Faz hoje 115 anos que o Senhor Röntgen produziu, pela primeira vez, os Raios x.






Hermenegildo Espinoza

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Gira-discos #27

Editors - Colours

Abana o leque, o leque que cintila trepidações de sentinelas,
de sentinelas com as suas cores a iluminar um caminho de arco-íris,
um caminho de arco-íris pelas escarpas perdidas e qualquer coisa,
qualquer coisa como um estetoscópio com um diafragma,
um diafragma que absorve não o som mas a luz,
a luz que escorre-nos pelas mãos atenuadas onde um filme,
um filme todo ele branco que é a soma de todas as cores,
as cores que eu não sei dizer, as cores que não sei ver,
ver como quem diz está ali um feixe compacto de vida e nenhum,
nenhum prisma sabe separar da mesma maneira,
da mesma maneira que não se separa a vida da morte,
da morte que vem não se sabe se roubar as cores para ela,
ela que tão escura e cinzenta vem a caminhar,
a caminhar pelas portas da nossa espera,
na espera também que alguém se chegue à frente,
à frente da vida como quem diz atrás da morte
e diga
You are the colour, my dear.






Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 2 de novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Epitáfios para um médico de algibeira I

/O médico de algibeira que vive embriagado da dor dos outros, obliterando, teimosamente, os resquícios d'alva da sua própria imensidão microscópica universal, tem pela frente a sólida secura de, no fim, acabar por desenvolver a cirrose de dor pela dor de outrem. Que não lhe falte, pelo menos no que aos amigos diz respeito, o breve epitáfio da sepulcral alegria da malandragem./




Hermenegildo Espinoza

Crónicas #1

Crónica da Alheira

Com duas alheiras e um copo de vinho já fazia um almoço.
Mas as alheiras são gentes estranhas que frequentemente não caem bem, ou por defeito do porco, ou por defeito da tripa, que ao ser esticada e enchida com enchido para fazer o enchido final com que se enche o bandulho, acaba por ourar os restos moídos do porco e porco ourado e tonto cai mal. Ou isso, ou são alheiras contaminadas com vírus. E os vírus alheirófilos multi-resistentes a correntes de ar que se encontram nas alheiras são um problema dificil de erradicar. É que o seu segredo não está em factores de virulência, não... O seu segredo está na sua origem: os virus alheirófilos são judeus. E os judeus quando urinam engarrafam a sua própria urina para a venderem depois aos esgotos, porque a urina é deles e eles têm direitos sobre elas. E os vírus alheirófilos fazem o mesmo: negoceiam a sua própria urina com o sistema imune do hospedeiro, mantendo-se em cerradas negociações durante dias ou até meses, até terem a quantidade que pedem, o que, na prática, corresponde a uma greve dos sindicatos de policia, só que dentro do organismo, e o raio do porco moído misturado com pão, fica sem escolta que o guie para saída e anda para ali a ourar até que as negociações cessem. E porco ourado cai mal. Cai mal porque o animal ourado perde equilibrio e noção espacial e anda aos tombos desamparados. Caí aqui, caí ali, parece que não mas faz mazelas. E é que ainda por cima o chão do intestino e estômago sáo rugosos, por isso imagine-se: porco ourado, tonto e aos tropeços como é que não há-de cair? Pois com a ajuda das policias, claro está, que dão a mãozinha ao suíno e o ajudam a equilibrar enquanto sussuram no ouvidinho peludinho: "levanta lá o pé que aqui tem uma ruga. E ali à frente tem outra. Já está quase. só faltam três metros."
Mal por mal, mais vale não comer alheira.

B.S.