domingo, 14 de novembro de 2010

Gira-discos #28

Animal Collective - My favorite colors

Assim que as cores desaparecem, ou melhor, se desvanecem a preceito de uma ligeira vontade de fuga, a música acaba por soar mais honesta. No fundo, as cores que cambaleiam como nós em noites de embalo nicotínico ou cafeínico, como se fossem um determinante agressivo para não nos perdermos,
- As cores, rapaz, as cores, não te esqueças delas,
Algures na algibeira (os médicos, quer queiram quer não, têm muitas vidas depositada na concavidade dos seus bolsos) enterram-se as tonalidades fugidias e muito temperamentais, muito senhoras do seu nariz,
- Deus me livre, rapaz, mas não encontro sentido nas palavras que dizes, nem cores, tudo muito baço, rapaz,
Livres como cândidas flores que absorvem todos os comprimentos de onda para exibirem, como as mulheres vaidosas e fúteis, as lombadas das suas coxas cintilantes (conheço muita dessas na minha rua), deambulando, deambulando pelos lancis à espera de não caírem, ou, se for o caso, que alguém, príncipe encantado de sarjeta, lhes acomode a queda de caule que não soube virar-se para o sol,
- Como vai essa cabeça, rapaz, algum dia saberás dizer as coisas como elas são e não como tu as pensas?,
O mesmo sol que se esgueirava pela enfermaria onde vi morrer o primeiro paciente da minha carreira fantasmagórica de médico de algibeira, o paciente que não pude salvar, o paciente que perdeu as suas cores, as cores, as cores, as cores, não esquecerei aqueles olhos a apagarem-se num colapso tão ténue de girassol mordido pelo vento,
- Tudo muito ao jeito de alguém que não se apercebeu do que é viver ainda, não é, rapaz?,
E lembrei-me do meu avô na soleira da porta,
- Todos morremos, Hermenegildo, todos morremos,
Não contive a raiva, pois os olhos do paciente tombavam no intervalo do pestanejar dos meus, e a irritação de não querer conceber um susto tão rotineiro, um susto assim,
- Sabe, avô, não sei se fui feito para poder testemunhar este colapso das cores das pessoas,
Ao que ele coçava a barba e ronronava enquanto pensava sermões para peixes miúdos,
- Enfim, rapaz, enfim, ninguém manda nas cores, ninguém manda,
Enquanto eu, feito camaleão de olhos giratórios, mantinha o meu movimento de precessão, como um pião que, quase quase a cair, tenta não perder as cores favoritas que se escapam.





Hermenegildo Espinoza

Sem comentários:

Enviar um comentário