quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Mil milhões de biliões de obsessões e a calçada portuguesa

Para curar uma febre teimosa pouco mais precisamos do que paciência. Não porque haja febres mais teimosas do que outras uma vez que a partir do momento em que ascendemos na escala do termómetro de mercúrio (permitam-me o louvar do antigo instrumento) colocado na recôndita axila, tantas vezes felpuda e sapiente dos nossos humores expelidos por sudoreses incomodativas, todas as febres - todas sem excepção - são sinónimo de teimosia, de uma afinco pelo incómodo. Quase como se o nosso corpo se rebelasse contra nós mesmos para nos salvar. Esta linha ténue e fronteiriça entre a salvação e o abismo está presente em todos os nossos âmagos, em todos os processos inerentes à condição humana mais enraizada, mais fisiológica, na lógica do salve-se-quem-puder-meu-deus-cada-um-por-si-até-morrermos-enfim.
O que me provoca agora celeuma e uma certa histeria mental não é mais do que isto: deveria eu perder o meu tempo a pensar nisto constantemente, nestes arranjos alicerçados ao longo de milhões de pedaladas de tempo conspirativo para a essência dos meus momentos? Por que razão não sou mais hedonista, mais focado nas pequenas coisas que fazem o todo e não no todo em si como revelação? A vida não deveria ser uma única obsessão, mas sim o conjugar de, como diz o poema-canção de valter hugo mãe (de minúsculas como ele gosta), mil milhões de biliões de obsessões. Os meus gatos, ali ao lado, nem com os prestigiosos nomes que com ousadia os baptizei, dormem na penumbra de um aquecedor. Alguém lhes tira a ideia, naquele ronronar, de um hedonismo perfeito?
Costuma questionar-me um amigo:
- Espinoza, como é que nos podemos livrar desta maleita de olhar para as coisas e de querer ver mais do que elas nos parecem mostrar?
E eu - tão frequentemente abuso do mesmo tique - baixo a cabeça e olho para as pedras da calçada (a calçada portuguesa diz-nos tanto com as suas fissuras e relevos) sorrindo aos tropeções:
- Gosto tanto de dizer que não sei.




Hermenegildo Espinoza

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