segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Leituras & Remédios #9

"(...)
Também conheço os prédios. Quando vou pela rua, cada um deles como que me ultrapassa a correr para se virar e olhar para mim, com as janelas bem abertas, e só lhe falta dizer:«Bom dia, como está? Eu também estou bem, graças a Deus, em Maio vão acrescentar-me um andar.» Ou:«Então, como passa? Quanto a mim, amanhã vou para obras.» Ou:«Por pouco não ardi todo, apanhei cá um susto», e assim por diante.
(...)


páginas 14 e 15


"(...)
Sabe, Nástenka, até que ponto eu cheguei? Sabe que já me vejo obrigado a festejar os aniversários das minhas sensações, os aniversários das coisas que eu gostava tanto dantes mas que, pura e simplesmente, não aconteceram - aniversários de sonhos, de sonhos estúpidos e imateriais - e que me vejo obrigado a fazê-lo porque nem sequer esses sonhos estúpidos já existem e porque não tenho com que os suplantar: porque também os sonhos podem ser suplantados! Sabe que agora gosto de recordar e visitar nas datas certas os lugares onde outrora fui feliz à minha maneira, gosto de construir o meu presente em conformidade com o passado irrecuperável, e vagueio muitas vezes, como uma sombra, sem necessidade nem sentido, triste e desalentado, pelos becos e ruas de Petersburgo!
(...)

páginas 49 e 50

"(...)
Meus Deus, que grito! Como ela estremeceu! Como se arrancou das minhas mãos e voou ao encontro dele!...E eu a olhar para eles, mais morto do que vivo. E ela, logo que lhe estendeu as mãos, logo que se lhe atirou para os braços, voltou-se de repente para mim, correu outra vez para mim, envolveu o meu pescoço com ambas as mãos e beijou-me calorosamente. Depois, sem dizer palavra, voltou para ele, pegou-lhe na mão e levou-o consigo.
(...)"


página 90


Fiódor Dostoiévski
Noites Brancas, romance sentimental das memórias de um sonhador

edição Biblioteca Editores Independentes

(a leitura como um dos melhores remédios. quando as noites se prolongam por intermináveis conversas como focos de luz na escuridão inquieta, surgem ligações tantas vezes assimétricas. o apoio de uns acaba por ser a razão existencial de outros. e como se safam aqueles que fazem do sonho estandarte? aqueles que emitem prolongamentos de procura de justificação para o éter assomado da sua própria solidão? são as noites claras alongando-se até que o crepúsculo amparado pelo nascer do sol prontifique uma nova manhã.)


fotografia da autoria de Hermenegildo Espinoza


Hermenegildo Espinoza

Sem comentários:

Enviar um comentário