11:38.
Eram os digitos que marcava o relógio digital estampado defronte da marquise onde jazia, quando recuperei a consciência...
Apesar das recordações serem vagas, as sensações processadas pelo corpo que me suntenta eram incontestáveis: em primeiro lugar, o raio catódico gélido que teimava em marcar presença na minha mão e se projectava braço acima, uma espécie de estria catabática, e, em segundo, o latejar estridente na minha cabeça resultante da queda desamparada no bloco.
Era, indubitavelmente, o casamento perfeito: hematoma e saco com gelo.
O vento estava a ser tudo menos ponteiro.
Havia me levantado à hora certa e ainda antes das 8h me encontrava no Hospital. Não queria falhar neste meu 1º dia de estágio (supostamente 2º... se considerarmos que esperar 4h, para ter uma conversa de cinco minutos com o cirurgião a combinar o dia seguinte, é estágio).
Conversa para um lado, apresentações para outro e tudo estava a ir de vento em popa.
- Na próxima porta virás à direita. É lá o vestiário masculino.
Sentia a adrenalina correr-me os vasos e o entusiasmo era enorme. Com efeito, de uma hora para a outra, dou por mim trajando umas vestes verdes, uma touca e uma máscara. Outro passo em frente e encontrava-me num lugar de sonho: o bloco operatório.
O equipamento, a enfermeira instrumentista, a enfermeira de serviço e o seu colega que se estava a integrar, os cirurgiões, os instrumentos, a temperatura controlada, o material esterilizado pronto a abrir, a médica anestesista, os medicamentos, a marquise de última geração, os focos e os odores faziam daquela sala um mundo à parte, porém fascinante.
Voltei-me para a parede e, para matar a curiosidade, estavam agendadas as cirurgias que se fariam nesse dia.
"Cancro cólon rectal - Dr X, Dr Y e Dr Z"
Era o meu dia de sorte. Apesar da cirurgia ser longa , ia assistir a um cateterismo central, à aplicação da epidural e à cirurgia propriamente dita. Ia ser uma manhã longa e singular. Por isso, até me tinha sido dada autorização para sair e comer durante o acto.
Horas de começar a cirurgia.
Paciente colocado na posição fetal.
Médica anestesista dirige-se ao dorso do paciente.
Passa uma espécie de álcool iodado na projecção cutânea das vertebras lombares e arredores.
Injecta-lhe um líquido que priva o paciente de sensibilidade cutânea nessa zona.
Paira uma mistura de ódores no ar que pareciam anestesiar-me mais a mim que ao paciente.
Insere um catéter na pele (entre L2 e L3, suspeito)
...
...
...
...tudo negro. Não me lembro de mais nada. Ainda nem tinha saído para comer e já estava a "fazer la siesta".
Galli Pitt
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