terça-feira, 16 de junho de 2009

Achados e revelações

Invejo-vos a inocência, comuns dos mortais. A despreocupação com que vivem o vosso dia-a-dia, na desnecessidade de viverem com essa dor de pensar celebrizada outrora, mas em que já ninguém acredita. Pois eu vos digo: Existe; Não para todos, não para muitos mas pelo menos para mim, existe. Não é tão literária, não é tão cognitiva, como a perfeição Pessoana descreve, como o poeta a profetiza. Surge-me num contexto diferente, surge-me em vivências diferentes, logo, e certamente não caindo na falácia de um raciocínio indutivo mas na veracidade de um empirismo comprovado, incide de maneira diferente, metamorfizada e saída desse seu primeiro casulo porque é conhecida. Chamo-lhe dor de pensar e chego a crer que possa não ser íntegro. Esclareço-vos, portanto – é todo um confronto intrapessoal que avassala a parte metafísica do que sou, que abana alicerces de honra e respeito, que se solta e corre ao lado dos antílopes transformando-se subitamente no predador que os devora de seguida. É tudo isso, mas é também algo de que não me declaro inocente. Há quem lhe chame, e ela própria o faz, de Alter Ego.

Sinto-me no dever do esclarecimento perante vós e é com a humildade das minhas vestes e barbas brancas pingadas pelas pingas do suor do pudor e da vergonha que vos confesso a sua - no fundo minha – história: No decorrer da génese de grandes guerreiros na Academia Shashi-Bakau, há cerca de 3 séculos atrás, os Grandes Anciãos e Mestres marciais encarregues da formação das novas camadas de futuros Mestres ensinavam a estes últimos a Técnica da Separação: consistia num dos mais importantes ritos de formação – a separação dos dois grandes pólos que o indivíduo tem no seu interior: o bem e o mal. Além de dotar os jovens mestres do quase total controlo da mente, era como que a medida de segurança que permitia aos seus tutores garantir que estes estavam no caminho certo, a lutar pelos objectivos certos. Encurtando o texto, digamos que a minha técnica não foi de execução perfeita, ficando um espaço oculto na minha mente ao qual não consigo aceder, uma personalidade alternativa com capacidade de auto-controlo, um outro eu.

Ao longo dos anos, e à medida que domino novos ensinamentos, reúno armas novas para a abater este inimigo, para arrancar do corpo o tormento do parasitismo imprevisto e espontâneo desta alma imaterial que teima em aparecer, sedenta da sua hora de tomada de posse. Já é assim há anos, custando-me desde amizades e momentos de solidão, batalhas perdidas e lares dizimados, ao sossego e paz da brisa que toca ao de leve as folhas castanhas do Outono.

Estou velho e cansado, miuchi, cada vez mais fustigado por esta avassaladora casualidade de encontros, alvo de uma personalidade negra fortalecida ao longo de séculos que avançou sem rédea de espada afiada em punho, retalhando e dissecando aquilo que a parte pura se encarregava de construir. Agora, com o terreno conquistado e fortaleza erigida, decide atacar, no apogeu de um exército de sombras cujo destino são aqueles que me rodeiam e em última instância, eu. Afasto-me, por isso, de vós Malditos e despeço-me dos restantes, não ciente se alguma vez regressarei do confronto em terreno desconhecido que está prestes a acontecer. Que permaneça a pluripotência dos ensinamentos que vos deixei a todos, aquando da sobriedade da minha alma.
Entrego-me à guerra com os olhos atentos à penumbra e a um inimigo de difícil rasto. O último espirro de sangue não será o meu. Faço-vos uma vigília antes de partir, caros Malditos, curvo-me na vénia do perdão pela nuvem de discórdia e o clima de desconfiança que indirectamente hei semeado entre vós – há no entanto uma lição a tirar daqui.

Derramo o sangue sobre esta epígrafe como prova de autenticação e de sanção.
Sonkei ken Ichibun,

Bachiatari Sensei

4 comentários:

  1. ...caro bachiatari.

    Dado a tua idade, certamente estás a atravessar uma fase à Van Gogh, quando a sua idade tendia para a assimptota da loucura e da morte.

    Portanto, se queres plagiar os seus ideais, embebe-te com 7 concubinas na montanha do Nepal, como ele se envolveu com uma prostituta de Arles, e não "metaforizes" o seu corte da orelha, derramando o teu sangue para autenticares e seres punido por algo que NÃO cometeste.

    Ja alguém, que se ainda hoje existisse maldito era com certeza, dizia: "as sensações enganam-te"... e esse empirismo comprovado pelo qual cantas, não passa mais do que retórica sem ciência. Pois eu digo-te que é mais amplo e vibra em maior frequencia o canto cujo timbre tende para a cidade das mil rotundas.

    Junta-te a mim para desvendar o mistério.

    Se puseres termo à vida, acobardas-te. A tua vida não pode pagar pela impotência do desvendar do númeno... Sensei: agarremo-nos aos fenómenos, o númeno será atingido não tarda.

    Que a minha prece chegue atempadamente

    Cumprimentos
    Pitt

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  2. (se o fizeres, não provas nada a não ser a tua loucura)

    Pitt

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  3. Caro Pitt,

    Pela meditação nas tuas palavras atrasei a minha marcha rumo ao abismo.
    Ofensivas o são, ao articularem as suas letras em forma de lança apontada ao meu peito, movidas por tal pensamento que põe em causa velhos ideias, acusando-me de cobardia. Jamais. Jamais fazer perecer a honra, seja por que motivo for. De facto, situações há que a morte carnal relata como defensoras da honra: olhemos para o conhecido Seppuku, da doutrina samurai, em que o guerreiro marcial sucumbe à indução da sua própria morte, quando perde o combate - não há maior vergonha para um samurai do que a de perder uma batalha de espada.
    Isto para te dizer, caro Pitt, que pretendo levar a minha missão até ao fim. Por a minha sobrevivência estar em causa, tal não implica a morte certa.
    E não. Não passará certamente uma solução pelo desabafo com a bebida, ou o desrespeito meretrítico. Tal, para fracos é. Chamas-me louco, mas é bem ciente que te digo que é pela vigília de ti e do nosso bem amado Espinoza, de entre todos os outros malditos, sobre quem todas as suspeitas recaíam preferencialmente, que emancipoa verdade factual e tomo esta decisão. Não espero que a compreendas, tão pouco farei para te convencer de tal. Dizem as beatas portuguesas que "a verdade, só Deus a tem" e por aqui ficamos.

    Sonkei ken Ichibun

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  4. Meu caro Bachiatari Sensei,
    Desde o inicío confiei na pureza das suas barbas brancas. Brancas mais brancas do que a neve mais pura que alguma vez existiu nos mais altos picos deste planeta devastado pela dor. Barbas essas que escondiam em si segredos, nunca descobertos pelo homem comum. As mesmas barbas que simbolizavam a confiança e sinceridade suprema! Ao ler esta sua declaração apenas um sentimento percorre todo o corpo deste velho índio: Tristeza! Tristeza porque julgava eu que ainda haviam homens que nunca ousassem usar a mentira! No fundo, compreendo essa sua atitude, que não condeno. Não condeno na medida que todo o Homem é livre. Livre de assumir, de viver todas as almas possíveis de o tornar verdadeiramente feliz e realizado pessoalmente.
    Antes de me despedir apenas lhe peço um último desejo meu: Continue a realizar a sua obra, continue a deliciar-nos com as suas palavras, nao como Alter Ego, mas como sir Athur Conan Doyle, Tolstoi e o tão prestigiado António Torrado.
    É assim, que vós, homem de honra, podeis libertar-vos através da tão douta escrita. Liberdade essa que muitos ambicionam mas nunca alcançarão, enquanto reles mortais.
    Tenho dito!

    Ave!

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