quarta-feira, 13 de maio de 2009

#2

Já era noite quando sairam do consultório rindo alegremente, ele ainda repondo as fraldas da camisa, ela ajeitando o cabelo no reflexo do vidro que recobre o armário do extintor. Quem os visse, pareciam casados.
Vi-os percorrer o corredor deserto na minha direcção enquanto ia acabando de preparar o próximo turno de visita aos doentes, reabastecendo o carrinho de seringas, algodão, pensos e outro material que tão bem conheço. Normalmente não faço este tipo de serviço, mas a pedido do Henrique lá fiz o turno para que o rapaz tivesse a sua noite de despedida de solteiro.
Desgraçado do Melo passou por mim, ixtmrsxe (e ve alter),forçando o olhar fechado num novo beijo para ter pretexto para me ignorar: não calha nada bem à beira da sua nova amiga, que provavelmente levaria a jantar ali à Marisqueira Mauritânia para mais um excesso na sua dieta equilibrada de desportista aposentado, cumprimentar um enfermeiro com a bata suja de sangue e a trocar pensos imersos em liquido ulceral punguento e mal-cheiroso na véspera da sua ceia divina - e ai de mim se a sua tigresa tivesse um qualquer espontâneo refluxo (sabe-se lá qual fora a sua ultima refeição). Portanto, até aqui, nada de novo, tudo "normal".
Seguindo pela direcção oposta abalei rumo à porta de pinho castanho claro que ostentava a inscrição "Dr. Artur Melo - Obestetrícia e Ginecologia" - "escolheste bem, escolheste...", lembro-me pensar, desenhando um esgar de gozo. Por ironia ainda bati à dita porta e perguntei se podia entrar - que hei-de fazer? sou uma criatura estranha e que goza destes pequenos deleites. Face ao óbvio silêncio entrei, trancando a porta atrás de mim.
Os estores estavam corridos e a sala quente, com um leve cheiro a suor que a ventilação ainda não dissipara. A secretária, arrumada à pressa; numa prateleira assentava um invólucro de preservativo cujo liquido lubrificante brilhava tenuemente, iluminado pela luz do candeeiro aceso.
A pasta por sorte minha, como diriam esses "velhos do Restelo" que por aí andam, estava esquecida em cima do pequeno sofá de pele preto no canto, literalmente debaixo da vigilância atenta de um soutien que não garanto que seja da mesma "carmelita" que vira à pouco, mas que especulo ter sido aleatoriamente atirado naquela direcção, a julgar pela sua disposição contorcida.
O click de abertura ecoou pelo gabinete e estava agora a viajar pelos ficheiros pessoais do nosso amigo, e não só: "contas, não; postal da filha, não; IRS, não; revista de um stand, não; ficheiros de pacientes, também não; artigos científicos, não quero nada disto; mais ficheiros de pacientes; conta no banco da suiça, humm... interessante; ah! e cá está! precisamente o que eu queria!
Faltava-me só um breve saltinho ao gabinete daquele pulha do Roger e voilá, o melhor dia de trabalho de sempre!
A paga por anos de espezinhamento, negligência consciente e incondenada a um paciente Já era noite quando sairam do consultório rindo alegremente, ele ainda repondo as fraldas da camisa, ela ajeitando o cabelo no reflexo do vidro que recobre o armário do extintor. Quem os visse, pareciam casados.
Vi-os percorrer o corredor deserto na minha direcção enquanto ia acabando de preparar o próximo turno de visita aos doentes, reabastecendo o carrinho de seringas, algodão, pensos e outro material que tão bem conheço. Normalmente não faço este tipo de serviço, mas a pedido do Henrique lá fiz o turno para que o rapaz tivesse a sua noite de despedida de solteiro.
Desgraçado do Melo passou por mim, forçando o olhar fechado num novo beijo para ter pretexto para me ignorar: não calha nada bem à beira da sua nova amiga, que provavelmente levaria a jantar ali à Marisqueira Mauritânia para mais um excesso na sua dieta equilibrada de desportista aposentado, cumprimentar um enfermeiro com a bata suja de sangue e a trocar pensos imersos em liquido ulceral punguento e mal-cheiroso na véspera da sua ceia divina - e ai de mim se a sua tigresa tivesse um qualquer espontâneo refluxo (sabe-se lá qual fora a sua ultima refeição). Portanto, até aqui, nada de novo, tudo "normal".
Seguindo pela direcção oposta abalei rumo à porta de pinho castanho claro que ostentava a inscrição "Dr. Artur Melo - Obestetrícia e Ginecologia" - "escolheste bem, escolheste...", lembro-me pensar, desenhando um esgar de gozo. Por ironia ainda bati à dita porta e perguntei se podia entrar - que hei-de fazer? sou uma criatura estranha e que goza destes pequenos deleites. Face ao óbvio silêncio entrei, trancando a porta atrás de mim.
Os estores estavam corridos e a sala quente, com um leve cheiro a suor que a ventilação ainda não dissipara. A secretária, arrumada à pressa; numa prateleira assentava um invólucro de preservativo cujo liquido lubrificante brilhava tenuemente, iluminado pela luz do candeeiro aceso.
A pasta por sorte minha, como diriam esses "velhos do Restelo" que por aí andam, estava esquecida em cima do pequeno sofá de pele preto no canto, literalmente debaixo da vigilância atenta de um soutien que não garanto que seja da mesma "carmelita" que vira à pouco, mas que especulo ter sido aleatoriamente atirado naquela direcção, a julgar pela sua disposição contorcida.
O click de abertura ecoou pelo gabinete e estava agora a viajar pelos ficheiros pessoais do nosso amigo, e não só: "contas, não; postal da filha, não; IRS, não; revista de um stand, não; ficheiros de pacientes, também não; artigos científicos, não quero nada disto; mais ficheiros de pacientes; conta no banco da suiça, humm... interessante; ah! e cá está! precisamente o que eu queria!
Faltava-me só um breve saltinhoao gabinete daquele pulha do Roger e voilá, o melhor dia de trabalho de sempre!
A paga por anos de espezinhamento, negligência consciente e incondenada a um paciente Já era noite quando sairam do consultório rindo alegremente, ele ainda repondo as fraldas da camisa, ela ajeitando o cabelo no reflexo do vidro que recobre o armário do extintor. Quem os visse, pareciam casados.
Vi-os percorrer o corredor deserto na minha direcção enquanto ia acabando de preparar o próximo turno de visita aos doentes, reabastecendo o carrinho de seringas, algodão, pensos e outro material que tão bem conheço. Normalmente não faço este tipo de serviço, mas a pedido do Henrique lá fiz o turno para que o rapaz tivesse a sua noite de despedida de solteiro.
Desgraçado do Melo passou por mim, forçando o olhar fechado num novo beijo para ter pretexto para me ignorar: não calha nada bem à beira da sua nova amiga, que provavelmente levaria a jantar ali à Marisqueira Mauritânia para mais um excesso na sua dieta equilibrada de desportista aposentado, cumprimentar um enfermeiro com a bata suja de sangue e a trocar pensos imersos em liquido ulceral punguento e mal-cheiroso na véspera da sua ceia divina - e ai de mim se a sua tigresa tivesse um qualquer espontâneo refluxo (sabe-se lá qual fora a sua ultima refeição). Portanto, até aqui, nada de novo, tudo "normal".
Seguindo pela direcção oposta abalei rumo à porta de pinho castanho claro que ostentava a inscrição "Dr. Artur Melo - Obestetrícia e Ginecologia" - "escolheste bem, escolheste...", lembro-me pensar, desenhando um esgar de gozo. Por ironia ainda bati à dita porta e perguntei se podia entrar - que hei-de fazer? sou uma criatura estranha e que goza destes pequenos deleites. Face ao óbvio silêncio entrei, trancando a porta atrás de mim.
Os estores estavam corridos e a sala quente, com um leve cheiro a suor que a ventilação ainda não dissipara. A secretária, arrumada à pressa; numa prateleira assentava um invólucro de preservativo cujo liquido lubrificante brilhava tenuemente, iluminado pela luz do candeeiro aceso.
A pasta por sorte minha, como diriam esses "velhos do Restelo" que por aí andam, estava esquecida em cima do pequeno sofá de pele preto no canto, literalmente debaixo da vigilância atenta de um soutien que não garanto que seja da mesma "carmelita" que vira à pouco, mas que especulo ter sido aleatoriamente atirado naquela direcção, a julgar pela sua disposição contorcida.
O click de abertura ecoou pelo gabinete e estava agora a viajar pelos ficheiros pessoais do nosso amigo, e não só: "contas, não; postal da filha, não; IRS, não; revista de um stand, não; ficheiros de pacientes, também não; artigos científicos, não quero nada disto; mais ficheiros de pacientes; conta no banco da suiça, humm... interessante; ah! e cá está! precisamente o que eu queria!
Faltava-me só um breve saltinho ao gabinete daquele pulha do Roger e voilá, o melhor dia de trabalho de sempre!
A paga por anos de espezinhamento, negligência consciente e incondenada a um paciente que em tudo me dizia muito estava prestes a chegar.

Alter Ego

6 comentários:

  1. Há quem diga que a linguagem é inata... mas as suas regras arbitrárias.Partilho desta opinião... Ora, quem me garante que escrever da esquerda para a direita faz mais sentido do que escrever da direita para esquerda?... Assim sendo e, alargando os nossos horizontes, o alfabeto pode começar onde quer que seja.

    E não é que, por irónico que pareça, esta ultima sugestão, torna o complicado simples, revela o jogo do mistério, do oculto, do bloqueio...!?

    Como diz o velho ditado: " nem sempre a lebre ganha o coelho"

    Cumprimentos

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  2. A divagação consegue sempre surpreender, mesmo aqueles que já tudo esperam.
    De facto, e pensando bem, o limite acaba sempre a ser imposto por nós, escritores amadores, escritores de latrina, escritores de rua. Se a mente nos prega a partida, as palavras podem de facto dar-lhe a volta, especialmente estando nós dentro da rúbrica linguística em que nos inserimos - o português.
    Mas desengana-te se pensas que é a desvendar simples anagramas ou palavras e frases de sentido lato que uma cara se revela. Quanto muito, o vulto pode parar de correr e permitir que vejas a sua sombra, mas o oculto que já não é oculto e é só mistério, ainda tem o seu sombrero com as gigantes abas a tapar um rosto que assiste ao percurso destes malditos todos os dias, passando despercebido atrás das colunas, dos carros e até de cadeiras vazias num auditório cheio.

    Não se sintam desconfiados, não se sintam observados, não se sintam amaldiçoados, malditos. Ou estarão Perdidos, mas numa ilha de betão.

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  3. Não temo que mutilem, distorçam ou degenerem as minhas mensagens, caros malditos.
    Aqualquer sinal de fraqueza vossa alimentará o meu espirito e cultivará a facilidade de subjugação da vossa espécie.

    Sem qualquer tipo de ameaça subjacente a esta mensagem, respeitosamente vos saúdo.

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  4. Mas meu caro, não seras tu capaz de nos dar uma pista, sobre quem és tu na realidade?

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  5. Aí é que te enganas. Nem vulto nem oculto o és, já o deixaste de ser para mim... A minha única tarefa, agora, é tirar-te "o sombrero" (ou ao menos levantar-lhe as abas) para que os "outros" te vejam... Chama divagação. Eu chamo-lhe pista... provavelmente haverá quem khe chame nerdismo! É nesta algraviada de interpretações que o zorro perde a máscara!

    Sublinho, não sou um maldito.
    Apenas um curioso.

    Cordialmente.

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  6. o espinoza tem um alter ego agorafobico a viver na cabeça dele... no seio maxilar esquerdo.

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