domingo, 19 de agosto de 2012

Rubicundo (1)

Jorge Jesus deve ser o treinador que, à custa de uma primeira época com futebol de encher a vista e concluída com o título, vive há mais tempo, na história recente do Benfica, sob uma asa de graça cada vez mais instável. Como se estivéssemos, desde a conquista do último campeonato, à espera que Jesus trouxesse de novo Jesus. E admita-se que ele tem feito um trabalho meritório nesse sentido de descrença. Ontem voltou à sua hermenêutica futebolística, que torna difícil, tanto para o adepto leigo como para o adepto que é leigo mas não o sabe, compreender a sua forma de maniatar a equipa. Mais que tudo, Carlos Martins ficou no banco a ver as trapalhadas dos colegas. Witsel voltou ao conflito táctico do costume, apoiando mais Javi Garcia na manobra defensiva e furtando-se à sua criatividade que costuma surgir uns metros mais à frente no campo. Nem carne nem peixe, é o problema do posicionamento do Witsel, e enquanto o bom senhor Jesus não lhe der aquele terreno para poder brilhar regularmente, terá de se remeter à terra de ninguém que correspondeu, no jogo, ao espaço situado entre ele e o Rodrigo, uma zona despovoada que viveu das arrancadas pré-Bruno Alves que o espanhol conseguiu impor. Da colmeia de extremos tivemos a obreira chutachuta prognata e o zangão Salvio que, sem rotinas, já foi muito bom ter conseguido aquele encontro fortuito, e furtivo, com a baliza-rainha que possibilitou o primeiro êxtase da Luz. Depois, a defesa não estava à espera que o cérebro das jogadas concretizadas pelos bracarenses fosse aquele potencial bom extremo, chamado Melgarejo, que tem tudo para dar um mau lateral adaptado, dado que possui, para já, um corte de cabelo dificilmente equiparado ao do Coentrão e um sentido posicional defensivo que não se consegue corrigir nem com um GPS na camisola do rapaz. Não só marcou um autogolo de belo efeito, como ainda fez um corte defensivo para o qual é difícil encontrar adjectivação adequada - por defeito deste vosso escriba mas, desconfio, também da língua portuguesa - e que foi ainda complementado pelo seu posicionamento desafortunado que colocou em jogo o Mossoró, que teve tempo de perguntar ao Artur para que lado se queria deitar e de olhar para o auxiliar para ter a certeza de que o seu momento não era estragado. E não foi. Diz Jesus que é preciso dar tempo ao jovem Melgarejo, o que se for em relação ao cabelo, uma ida a um cabeleireiro qualquer no Colombo resolve o assunto, enquanto que a missão de conseguir arranjar um GPS para o início desta temporada, se for mal sucedida - leia-se: as próximas duas ou três jornadas -, podemos começar a pensar com calma em 2013/2014.
Até ao fim foi um suplício, tudo. A súbita precisão milimétrica do árbitro quanto à marcação das faltas; os repentinos espasmos musculares do Beto que permitiram um amarelo e um momento televisivo para o Cardozo e também a anulação de um golo ao Benfica naquele momento em que o guarda-redes parecia estar numa praia de Matosinhos a ver os aviões e a bola lá atrás; o pedido de clemência do Santo Custódio na expulsão do colega inocente; a entrada de Enzo Pérez em campo como quem pergunta: foi para esta merda que fiquei?, enquanto o Ola John adormecia recostado num banco qualquer.
Como epílogo, uma palavra de apreço para Jorge Buescu, a quem Artur Soares Dias vem dar razão quando o primeiro disseca os problemas dos portugueses com a matemática. Seis substituições na segunda parte, que os mais optimistas juram tomar no mínimo trinta segundos, perfazem, se os números não nos defraudaram, três minutos. Na óptica arguta do árbitro, o minutinho a mais de espectáculo que ofereceu cobriu, respectivamente, a grande penalidade, as inúmeras paragens do jogo, os impunes pontapés de baliza em slow motion do Beto-olha-os-aviões-lá-atrás e, não esqueçamos, a garrafinha de água resgatada à grande área bracarense para ser abrigada junto da segurança do quarto árbitro. Teve melhor tratamento, e daí desigual, do que a galinha do estádio do Dragão ofertada ao Roberto há duas temporadas, certamente ignorada para a posteridade pela sua ausência do relatório solene do jogo.





Hermenegildo Espinoza

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