quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Leituras & Remédios #13

«O que mais me intriga e dói na nossa morte, como vemos na dos outros, é que nada se perturba com ela na vida normal do mundo. Mesmo que sejas uma personagem histórica, tudo entra de novo na rotina como se nem tivesses existido. O que mais podem fazer-te é tomar nota do acontecimento e recomeçar. Quando morre um teu amigo ou conhecido, a vida continua natural como se quem existisse para morrer fosses só tu. Porque tudo converge para ti, em quem tudo existe, e assim te inquieta a certeza de que o universo morrerá contigo. Mas não morre. Repara no que acontece com a morte dos outros e ficas a saber que o universo se está nas tintas para que morras ou não. E isso é que é incompreensível - morrer tudo com a tua morte e tudo ficar perfeitamente na mesma. Tudo isto tem significado para o teu presente. Mas recua duzentos anos e verás que nada disto tem já significado.»


Vergílio Ferreira
in Escrever.



(a leitura, ela mesmo, como um dos melhores remédios)



Hermenegildo Espinoza

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #20

20. os exões no fundo do Douro.


A mensagem codificada no fundo do Douro
sabe a doce, se doce é a água
dos exões que brilham no nosso miradouro.

Uma lengalenga da profundidade
onde se traduzem abundantes aluviões,
sabe a pouco reconhecer todos os alçapões,
desse escuro que vai branqueando a idade.

Repetidamente, um tiroteio de palindromas,
venham, venham ver como escorre fundo
o Douro a rasgar o atlântico mundo.




Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 19 de outubro de 2010

domingo, 17 de outubro de 2010

Mudança de paradigma na autoridade

Com o passar do tempo, a autoridade tem vindo a perder sola...

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #19

19. o buraco cego e o serviço de migração.


Vinha na raíz posterior da língua
perto da forma de uma letra,
noutros fechados - quase sempre cego,
um caminho de tecidos galgado.

O serviço de migração
tudo vai encarreirando,
na travessia do canal
nenhum pobre quisto
para trás vai ficando.

Vai migrando para baixo
para diante dos anéis
onde o ar vem para insuflar
pouco antes de se bifurcar.



Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Gira-discos #26

Carlos Paredes - Canto do Rio

O homem dos mil dedos apresenta-nos o curto, e não menos magnífico, canto do rio. Algo que o caudal de muitas horas de sono perdidas, mesmo atirando-nos para o fundo dos aluviões, não consegue deturpar. Até quando o rio se escoa por entre os nossos olhos estáticos de marinheiro sem astrolábio? O rio lamenta-se por baixo das pontes de pedra onde peixes, sem contemporâneos sermões, se afunilam na turvação dos átomos, aleatoriamente. E giram e giram, os grandes com os pequenos, e morrem e morrem (falo muito em morrer pois também eu vou pelo mesmo caminho, e é suposto contar a história do passageiro que vai) serpenteando (bonita palavra, muito bonita mesmo) as lápides erodidas da vulgaridade dos meninos dos verdes anos. Somente se pudessem - os peixes que cantam no rio - nadar nas lágrimas que nascem nos olhos do rapaz de coração inclinado. E aprender, nesse fundo azul de escarpa, a observar o movimento perpétuo da gente pequenina e grande mergulhando no fundo poço do mundo.



Hermenegildo Espinoza

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Possível topografia dos lugares interiores #18

18. boa noite, sinapse.


Queres chegar,
olhar de frente a fenda,
na outra margem
o porto
o cais de um novo lugar.

Trazes a boa-nova
vens potenciar
saberás pouco inibir
melhor ainda excitar:
aqui é que não podes ficar.

Vais sentar-te à mesa
da hospitalidade de iões.
Se a noite é o limiar
e ela vai receber-te
não podes esmorecer.
Mesmo que da fenda
sejas ostracizado,
o sinal não pode ficar,
o sinal avançará.
Boa noite, sinapse.




Hermenegildo Espinoza

domingo, 3 de outubro de 2010

"- O que está a dar é a circuncisão!
- Mas o que é isso da circuncisão?
- As mulheres gostam...
- Ai é? Então quero duas!"