quarta-feira, 7 de julho de 2010

Gira-discos #21




A casa tem o peso do silêncio de quem lá vive. Não só madeira comem as térmitas, mas algum do silêncio vai com elas também, enquanto nós as ajudamos. É nessa digestão dos lugares comuns que o quotidiano vive esfarrapado na compaixão dos dias para os quais não temos paciência, destreza ou o maneirismo adequado para a rebelião, e por isso nos dizem, aqueles com um monóculo nas páginas das estantes,
- Os compartimentos da casa são jardins ocos,
E se ausente é a matéria, de que é feita a casa, afinal?, talvez os alicerces sejam então um produto de arquitectura banal, rarefeitos pelos interstícios fulminantes da nossa vulgaridade, verdade que são, só pelo cálcio dos ossos que vai invadindo a medula, não nos chega perguntar,
- Se o jardim é oco, que é feito do jardineiro?,
Perdido andará ele pela selva urbana, com a ciência ignorante, sem qualquer pressa de chegar longe, amparado por um guia deitado ao seu lado, pois sabem os dois que não há como avançar, apenas que, entretanto, há uma altura na vida, dessas várias lotarias, em que o esquadro, o transferidor, a régua, a biologia, a física de nada valem para o cálculo da nossa posição no cosmos, de maneira que, se perguntarem, respondo,
- Não há lugar melhor que uma ilha deserta dentro de casa,
Concluindo, claro, que se o silêncio é maior do que nós, se há mais vácuo que portas na irrigação das estirpes que povoam a nossa personalidade, não custa, nunca custa, enfim, fechar os olhos, fechar as narinas ao ar, nada ouvir, nada sentir, nem um esboço de paladar, para esse jejum intenso dos nossos sentidos nos revelar a história contada pela filogenia do amor que nos deram, algo assim,
- Juro que não há nada, nada melhor do que a casa onde vamos morrer.


Este texto é dedicado a um amigo, daqueles que nos ajudam a mirar o início e o fim das coisas, estando nós no meio delas.



Hermenegildo Espinoza

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