segunda-feira, 3 de maio de 2010

Gira-discos #19

Animal Collective - Fireworks



Foi quase como um fogo-de-artifício nos olhos. Depois dos conjugados, das interacções intensas entre alguns, algumas moléculas ligantes a outras que, na saciedade, não hesitavam em corresponder. Foi um tempo de querer ficar parado no meio de quatro páginas de linhas e escrever todas as respostas do corpo que se defende. Mas foi quase como um fogo-de-artifício. Uns amigos banhados a ouro enquanto se percorriam as ruelas e as suas calçadas. Um barulho colectivo no ar. E não eram animais, não não eram. Encarreirados alguns como carneirinhos lá bem que iam a trotar na cadência do seu passo de tanta humilhação para vestir de negro. Os outros, já de negro talvez incorporando conscientemente o luto da sua estupidez, iam gritando para os carneirinhos. Estávamos também vestidos de negro para celebrar a comunidade que somos e novo advento que seremos. E não, não era ódio o que os nossos olhos viam. Um fogo-de-artifício, tenho a certeza. Espanta-nos a humildade de reconhecer de que ninguém é como nós, ninguém está dentro deste texto, isto não é ninguém. Uma luz no fundo daquele palco também não era nossa, mas o fogo-de-artifício nos nossos olhos era tal que se nos revelassem a verdade não acreditaríamos. O esbracejar dos dois bêbados que nos acompanhavam na dança, sem nos conhecer, era mais sincero do que os olhinhos das três raparigas bem apresentadas no grupo em frente e, a julgar pela indumentária, bem intencionadas em nos entreter. O álcool trazia-lhes, aos dois bêbados de braços irrequietos, a mesma estupidez de tantos, mas enquanto o faziam tinham mais ingenuidade do que os olhares das raparigas. O recinto é assim uma espécie de cuba para onde todos fomos deitados e onde cada alucinação não trará mais nitidez. Mas era, sim, um fogo-de-artifício nos olhos. E nunca tivemos de necessidade de perguntar: o que fazer agora? Até mesmo que os pés colados por aquela cevada fermentada e, a espaços, algum absinto que não se acomodou no antro pilórico de alguém, não nos paravam. Gritámos muito, quase sempre sem nos ouvirmos. Deu para ler nos lábios de um rapaz de óculos a declaração de amor a uma rapariga tão platónica como as tragédias gregas. A rapariga não percebeu, o rapaz de óculos não repetiu. Via-se que tinha um fogo-de-artifício nos olhos. Acabámos por acordar de manhã a trautear melodias que a noite jamais nos trouxera na euforia de clarabóias nocturnas. Rimos durante uma hora pois nada de melhor tínhamos para fazer. Notava-se que ainda andávamos com um fogo-de-artifício nos olhos.




Hermenegildo Espinoza

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